Golpistas afastam Brasil das metas de desenvolvimento da ONU

Gestão de Temer faz país andar para trás. Brasil já está na contramão para alcançar objetivos de desenvolvimento sustentável propostos pela ONU

Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Relatório Luz 2018 foi lançado semana passada e foi organizado pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil (GTSC) para a Agenda 2030

Em profunda crise política, econômica e social, o Brasil se afasta cada vez mais das metas de desenvolvimento sustentável propostas pela Organização das Nações Unidas (ONU) para 2030.

É o que mostra o relatório Luz 2018, organizado pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil (GTSC) para a Agenda 2030, acordo entre representantes de 193 países membros da ONU que se comprometeram a adotar medidas para o desenvolvimento sustentável em todo o mundo após conferência realizada em 2015.

Na ocasião, foram estabelecidos os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODs) e 169 metas sociais e ambientais que visam erradicar a pobreza e promover uma vida digna a todos os cidadãos.

Formado por 40 membros de diferentes entidades da sociedade civil brasileira, como Ação Educativa, Agência Pública, Artigo 19, Rede Nossa São Paulo e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), entre outras, o GTSC alerta que o Brasil trilha um caminho muito diferente do desejado para alcançar as metas que se comprometeu perante o mundo a cumprir em quinze anos.

Acabar com a pobreza e com a fome, reduzir a desigualdade dentro e entre os países, assegurar uma educação inclusiva e uma vida saudável e de bem-estar para todos, assim como água e saneamento básico, são alguns dos principais objetivos. Alcançar a igualdade de gênero, promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres e tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima são outros pontos importantes elencados entre os objetivos.

Prejuízo da austeridade

Alessandra Nilo, representante da Gestos (Soropositividade, Comunicação e Gênero), entidade que, em conjunto com o Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), organizou o relatório, acredita que a partir do documento será possível prosseguir o monitoramento da Agenda no Brasil, já que apresenta uma substanciosa análise de diferentes políticas públicas.

“Esse relatório mostra que nos últimos três anos o Brasil já está na contramão das ODSs, fato que é resultado de uma política de ajuste fiscal tomada lá atrás. Decisões sobre como equacionar o déficit orçamentário do país na verdade implicam na derrubada de direitos e no desinvestimento em áreas super estratégicas pro país”, comenta Nilo.

De acordo com ela, o trabalho do GTSC pode ser uma base importante para a formulação de novas políticas públicas e para informar candidatos que participarão do pleito eleitoral no mês de outubro.

“É um relatório que também mostra esse descompasso entre o que se afirma como sendo um país que promove direitos, que avança – que é o discurso governamental – mas quando vemos na prática e analisamos as políticas e os orçamentos, assim como os conjuntos de leis aprovados no Congresso Nacional, é o contrário”, aponta Alessandra.

“Independente dos discursos que façam os governos, os parlamentares, as medidas tomadas são contrárias ao que o Brasil acordou em fazer quando assinou a Agenda 2030 para o movimento sustentável”, critica a coordenadora da Gestos, que também destaca o descompromisso absoluto do Estado brasileiro com as populações indígenas e quilombolas.

Mazelas sociais

A cada um dos ODs foi dedicado um capítulo específico no relatório Luz 2018, com dados atualizados seguidos de recomendações da sociedade civil. O documento expõe, por exemplo, que logo no primeiro objetivo, a erradicação da pobreza, o Brasil segue o caminho oposto.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), divulgada pelo IBGE, há um acelerado crescimento da pobreza nos dois últimos anos –período posterior ao do golpe parlamentar que derrubou o governo de Dilma Rousseff e inverteu a agenda política do governo federal.

Os dados mostram que, em relação à extrema pobreza, o país voltou aos números de 2005 e, em relação à pobreza, aos de 2009. “Houve uma perda que se deu bem mais rápido do que o tempo levado para avançar. A pesquisa mostrou ainda que os 10% mais bem remunerados detinham 43,3% da massa de rendimentos, enquanto os 10% de menor renda ficaram com apenas 0,7% desta. O 1% mais rico teve rendimento 36,1 vezes maior do que o rendimento médio da metade de baixo da pirâmide social”, diz o relatório.

Altos índices de desemprego fazem parte deste cenário de retrocesso. O GTSC afirma que o crescimento do número de trabalhadores desocupados chegou a 12,7% em 2017, contradizendo a tendência que vinha sendo mantida até 2014.

Nas últimas duas décadas, o crescente acesso a alimentos pela população pobre garantiu que, pela primeira vez na história, o Brasil deixasse o Mapa da Fome, em 2014.

O documento pontua que a ascensão social anterior àquele ano foi impulsionada por melhores índices de emprego, pela formalização do trabalho com aquisição de direitos, pela recuperação do salário mínimo e pelo fortalecimento da transferência de renda para a população em maior vulnerabilidade por meio do Programa Bolsa Família.

Decisivas para enfrentar a insegurança alimentar e nutricional, ações como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e a Política Nacional de Assistência Técnica (PNATER), foram essenciais para que o país saísse do Mapa da Fome, mas, atualmente, esses programas são vítimas do desmonte de políticas para a agricultura familiar e camponesa.

Entre 2014 e 2018, a dotação orçamentária para o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), sofreu queda de 81%, conforme dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento do Governo (Siop).

Como resultado, hoje, o país corre o risco de retornar à lista de nações que permitem que a população sofra com falta de alimentos.

Das 169 metas da Agenda 2030, o relatório analisou 121. Joara Marchezini, coordenadora de Acesso à Informação da Artigo 19, ressalta o feito das mais de 38 organizações que conseguiram diagnosticar a atual situação do Brasil em relação aos ODS, já que não é em todos os países que a sociedade civil consegue se mobilizar para tal análise.

“O país regrediu em todas as metas analisadas, isso é bastante grave. Se realmente queremos cumprir todos esses objetivos até 2030, não estamos no caminho certo. Precisaríamos ter uma virada drástica em algum momento porque nesse ritmo e nessa direção, não conseguiremos”, afirma Marchezini.

A coordenadora da Artigo 19 critica ainda a ausência de dados relacionados a diversas metas, o que dificulta ainda mais a criação de políticas públicas específicas para essas demandas.

É o que acontece em relação as políticas para igualdade de gênero, um dos ODS. Em contrapartida ao estipulado pela Agenda 2030, o Luz 2018 aponta que o Brasil ocupa a quinta posição global em número de homicídios de mulheres, é o quarto lugar em números absolutos de mulheres casadas até a idade de 15 anos, além de ser o país que mais mata mulheres transexuais e travestis. Outro dado apresentado é ainda mais chocante: 70% das vítimas de estupro correspondem a meninas de até 17 anos.

Em relação ao ODS 6, que visa assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos, o cenário também é de atraso. Joara enfatiza que apenas 44,9% de todo o esgoto produzido no país é tratado e coletado e que todos os índices estão estagnados ou pioraram desde 2015. São 34 milhões de pessoas no país sem água tratada, o que reflete diretamente na proliferação de doenças.

“Com a dificuldade de acessar água potável, temos um aumento do número de doenças transmitidas pela água que afetam principalmente as crianças e temos todo um impacto também na alimentação saudável, no trabalho, na educação. Observando os objetivos de forma conjunta, quando não temos água e saneamento, isso com certeza reflete na qualidade de vida das pessoas de alguma forma”, complementa.

Retrocesso

O relatório também reforça que a Emenda Constitucional 95, que limita o aumento dos gastos públicos à variação da inflação por vinte anos, assim como as reformas trabalhista e previdenciária, projetos propostos pelo governo Temer, aprofundam ainda mais o cenário de profunda desigualdade no qual se encontra o país e perpetuam o crescimento da extrema pobreza e da fome.

“Várias cláusulas da reforma trabalhista são claramente contrárias ao que prega a Agenda 2030. A proposta de reforma previdenciária também, porque a Agenda 2030 promove uma assistência social para todas as pessoas que precisam de segurança social e o Brasil não faz isso”, reforça Alessandra Nilo.

Joara Marchezini cita que o relatório analisa a transparência e o combate à corrupção no país, o que evidenciou que há uma clara redução dos órgãos de controle e de políticas de participação.

“Uma coisa que transpassa todos os objetivos é a falta de participação política nos temas. Vemos isso quando falamos da PEC dos Gastos em educação e saúde, quando falamos sobre as mudanças de licenciamento ambiental que estão sendo feitas a toque de caixa, sem participação, sem diálogo e sem transparência”.

Segundo avaliação da coordenadora, a perspectiva do Brasil na Agenda 2030 não é positiva. “Nesse cenário atual, com o caminho que temos trilhado, em 2030 não atingiremos os objetivos. Se não tomarmos uma providência e mudar o rumo das políticas públicas no Brasil, teremos índices piores do que tínhamos quando assinamos os objetivos do desenvolvimento sustentável. É muito alarmante a situação em que estamos nesse sentido. Não só não cumprimos o que prometemos em relação à melhora da qualidade de vida das pessoas e respeito aos direitos humanos, como pioramos os índices a cada ano”, opina Marchezini.

Por Brasil de Fato

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