Inoperância no combate à pandemia compromete retomada da economia

“A resposta desdenhosa do presidente Bolsonaro à doença vai custar caro ao Brasil, tanto em termos de vidas como de renda. Com uma liderança apropriada, o Brasil claramente teria a capacidade de salvaguardar a saúde das pessoas, mas agora é uma área de alta incidência na América Latina. Isso não protege a economia – pelo contrário”, alerta o ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Maurice Obstfeld

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Trabalhadores em indústria automobilística

“Com uma liderança apropriada, o Brasil claramente teria a capacidade de salvaguardar a saúde das pessoas”, alerta o ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Maurice Obstfeld, em entrevista ao jornal Valor Econômico, nesta segunda-feira (11). No entanto, ao negar a dimensão e a profundidade da pandemia, Bolsonaro não só é irresponsável no combate a Covid-19, como também compromete a capacidade do país de enfrentar a crise na economia. “Isso não protege a economia – pelo contrário”, afirma o economista, criticando a postura do governo brasileiro.

A observação do economista Obstefeld expõe a falsa contradição imposta ao Brasil pelo negacionismo importado da administração de Donald Trump por Bolsonaro e seu governo. Crítico da estratégia adotada pelos EUA para combater a pandemia, o economista alerta que a abertura precipitada das atividades econômicas pode piorar a situação. Para o economista, a reabertura mais rápida e segura depende do aproveitamento do confiamento temporário para implementar testagem e monitoramento amplo. Uma “resposta precipitada aumenta a possibilidade de ressurgimento da doença e de uma perda econômica ainda maior”, diz Obstfeld, se referindo à pressão do governo Trump para a flexibilização descontrolada das atividades econômicas.

No Brasil, Bolsonaro radicalizou a defesa da tese da “contaminação de rebanho” para tentar manter a produção e as atividades econômicas em pleno funcionamento. Se adotada a “roleta russa” oficial, 70% ou 149 milhões de pessoas serão infectados, com morte de 1 milhão de pessoas – aplicando a taxa de letalidade de infecção baixa, de 0,7%. “Temos evidências de que as pessoas que pegam a doença não se infectam de novo mas não sabemos por quanto tempo elas ficam protegidas”, argumenta o doutor em microbiologia, Átila Iamarino.

Descolamento entre economia e politica

“Há uma subordinação (da saúde) à ordem econômica”, denunciou o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, em live com participação do ex-presidente Lula. Para ele, o Brasil vive um descolamento total entre a política econômica e a política de saúde. “Nós tínhamos que ter nesse momento uma política econômica a serviço da saúde para dar sustentabilidade ao processo de isolamento social, à manutenção da vida das pessoas”, disse.

A denúncia do ex-ministro Temporão tem correspondência nas ações do governo. Enquanto atendeu a pressão dos bancos com R$ 1,2 trilhão, cerca de 50 milhões de pessoas ainda aguardam o auxílio emergencial de R$ 600,00. As dificuldades impostas para a liberação dos recursos sugerem deliberada sabotagem para forçar a sociedade a não cumprir ou romper o isolamento. Na semana passada, Bolsonaro e empresários invadiram o STF para pressionar pela abertura da economia, sem apresentar um plano.

Senador Humberto Costa (PT-PE), ex-ministro da Saúde: “O governo não disponibiliza o dinheiro necessário às empresas  pequenas, médias e grandes, os recursos prometidos a estados e  municípios e também não consegue efetuar com sucesso o pagamento  dos R$ 600 do auxílio emergencial, fazendo milhões de brasileiros  enfrentarem frio, sol e chuva para sacar a quantia no banco”.

O descaso e a incompetência  do governo Bolsonaro, alertou o senador Humberto Costa, são responsáveis pela dificuldades enfrentadas para manter o isolamento, especialmente entre os mais pobres. “O governo não disponibiliza o dinheiro necessário às empresas  pequenas, médias e grandes, os recursos prometidos a estados e  municípios e também não consegue efetuar com sucesso o pagamento  dos R$ 600 do auxílio emergencial, fazendo milhões de brasileiros  enfrentarem frio, sol e chuva para sacar a quantia no banco”, disse Humberto em debate na GloboNews. Para  Humberto, a gestão do presidente que nega a ciência, sai às ruas todos  os dias e cobra o fim da quarentena não consegue disponibilizar os meios para que os brasileiros consigam seguir em isolamento.

Irresponsavelmente ausente do combate à pandemia e apostando na continuidade da politica neoliberal de Paulo Guedes, o governo não tem respostas para a retomada da economia, nem para o seu futuro. Exceto a frustrada tentativa de transformar a cloroquina em “vacina” produzida pelo Exército, nenhuma outra iniciativa de porte foi adotada junto às empresas brasileiras. Para os ex-ministros dos governos Lula e Dilma, o governo deveria estimular a reconversão de indústrias e novas plantas industriais para produzir respiradores, máscaras, álcool em gel e medicamentos.

“As pessoas podem não ser capazes ou não ter vontade de participar integralmente da economia, se elas estiverem doentes ou temerem a infecção”.

Maurice Obstfeld, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI)

Abertura indiscriminada leva ao retrocesso

A abertura indiscriminada da economia poderá acelerar um processo de contaminação, levando ao lockdown sanitário e a paralisia da economia. Nos EUA, a tentativa de reativar a produção de qualquer jeito, levou o setor de carnes a fechar a maioria das plantas do país, devido à contaminação em massa dos trabalhadores. Aqui, após pressão dos sindicatos de trabalhadores, os ministério da Agricultura e da Saúde emitiram um protocolo de funcionamento dos frigoríficos. “As pessoas podem não ser capazes ou não ter vontade de participar integralmente da economia, se elas estiverem doentes ou temerem a infecção”, adverte o economista Obstefeld.

O FMI estima uma queda do PIB de 5% neste ano, agravada pelo comportamento irresponsável de Bolsonaro no combate à pandemia, de acordo com o ex-economista chefe do FMI. A taxa de desemprego deste ano subirá para 18,7%, depois de ter fechado 2019 com média de 11,9%, alertam  o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) e pela LCA Consultores. Os números também refletem a situação da economia antes da pandemia, que já se encontrava em desaceleração, com um PIB de 1,1% em 2019. No país parceiro de negacionismo, o desemprego já ultrapassou a faixa dos 30 milhões de trabalhadores.

“Prefiro uma fábrica vazia pela quarentena do que por funcionários mortos”.

Alberto Fernández, presidente da Argentina

Diferente dos EUA e do Brasil, que se encaminha para a mesma situação desastrosa, outros países que se anteciparam ao ataque do vírus já começam a retomar gradualmente as atividades econômicas e sociais, do que são exemplos a China, a Coréia do Sul, o Vietnam e a Argentina. No país vizinho, o presidente Alberto Fernández enfrentou resistência de alguns setores da economia e grupos ligados à oposição que convocaram marchas para violar a quarentena determinada pelo governo. No entanto,  o comando do presidente recém-eleito se impôs, a sociedade respeitou as regras de isolamento e o país já planeja a retomada das atividades. “Prefiro uma fábrica vazia pela quarentena do que por funcionários mortos”, disse o presidente da Argentina

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