Maternar na pandemia

Relatos de mulheres que se fizeram mães dentro da maior pandemia dos últimos séculos.

“Eu tinha sonhado com uma gestação tranquila, lendo livros, curtindo cada momento, cada sensação e passei perplexa e horrorizada com a condução da pandemia no país”. Esse relato é da jornalista Ana Clara Ferrari, mãe da pequena Maria Laura, de apenas 3 meses.

Ana Clara viveu sua primeira gravidez durante a pandemia de COVID-19, vendo dia após dia a situação sanitária do país piorar. Uma nuvem de receio tomou conta deste momento que deveria ser mágico, Ana tinha receio de sentir ainda mais medo após o nascimento de Maria Laura, mas segundo a jornalista, o que viveu foi exatamente o oposto.

“Minha filha trouxe uma certeza de que nossa luta não é vã, que somos resistência e a vida prevalecerá. Em um cenário tão mórbido da necropolítica reinante, trazer uma vida e me dedicar a criar um ser humano com empatia, bondade e generosidade me fez conhecer uma das tantas formas de vencer a batalha da civilização e, ela sendo mulher, do patriarcado”, conta ela.

Com Danielle Ferreira, sanitarista e assessora parlamentar, e grávida de 31 semanas dos gêmeos Akin e Iyanu, o medo segue sendo uma realidade. Antes de engravidar Dani já acompanhava as estatísticas sobre mortalidade materna na pandemia e as intersecções desse problema de saúde, como por exemplo, o fato de gestantes pobres e negras que estão na base da pirâmide social sofrerem de maneira mais acentuada as consequências das desigualdades sociais, além do racismo e misoginia expressos na violência obstétrica que sofrem nos serviços de saúde. 

“Por isso, descobrir uma gravidez em meio a uma pandemia, apesar da felicidade, foi também um momento de grande apreensão. Foi uma grande surpresa seguida dos sentimentos de insegurança e medo”, diz Dani.

A gestação costuma ser um momento de muito carinho e cuidado. A mãe é mimada e todos querem dar aquela passadinha na barriga e sentir a vida que está se fortificando lá dentro. Mas, para as mulheres que passaram pela gravidez no ano passado, a falta das pessoas foi o pano de fundo destes 9 meses tão longos.

“Durante a minha gestação, eu senti falta das pessoas queridas. Queria compartilhar esse momento com muita gente. Porque eu tentei durante três anos e, nesse processo, muita gente me ajudou, me aconselhou e me acolheu. Não poder abraçar essas pessoas e olhar nos olhos e agradecer foi muito triste. Nos exames de pré-parto, eu tinha que entrar sozinha por conta dos protocolos do hospital. Ficar lá, sozinha, auscultando o coração dela, sem o pai, sem a vó, foi um processo muito solitário”, relata Ana Clara.

Além do apelo pessoal da gestação, a pandemia também afetou as mulheres grávidas e que tiveram seus filhos durante o último ano no âmbito social, no que tange às políticas públicas de saúde.

“Com a pandemia e as restrições para o acesso aos serviços de saúde as dificuldades para assistência pré-natal, parto e pós-parto tornaram-se maiores. A complexidade da pandemia tornou o terreno fértil para intervenções médicas desnecessárias, realização de menos consultas de pré-natal pelas gestantes, maior peregrinação para acesso a assistência maternidade e internação, menor acesso a informações sobre gestação, parto e puerpério, ausência de garantia da presença do acompanhante na sala de parto, etc. Além de fatores relacionados ao desemprego, suspensão de contratos e redução de salários que geram como consequência dificuldades para acesso a licença maternidade e manutenção do salário base inicial sem cortes para as gestantes”, registra Dani.

Mesmo com todas as dificuldades que a maternidade real já apresenta às mulheres rotineiramente e tendo ainda mais dificuldades por conta da pandemia, Ana Clara faz questão de pontuar o quão transformador é o processo de gerar uma vida e todo o poder que as mulheres detêm por isso.

“Não tenha medo. As mulheres vêm semeando a vida neste mundo desde sempre e a revolução precisa de pessoas concretas de carne e osso. Transformar o mundo é acreditar que é possível viver e gerar vida. Para quem acredita, eu costumo dizer que o corpo de uma mulher é o que há mais próximo do milagre de Deus na Terra. Eles nunca vão tirar isso de nós e nós seguiremos resistindo — colocando no mundo mais e mais pessoas que se indignam diante de uma injustiça”, frisa a jornalista.

Danielle está chegando perto da reta final de sua gravidez, dentro da segunda onda da COVID-19 no Brasil, mas consegue, ainda com medo, viver esse momento se permitindo aproveitar cada pequeno privilégio que só a experiência de gerar uma vida pode lhe promover.

“Gestar tem sido para mim um momento lindo e também profundamente desafiador. Conhecer sobre esse novo mundo tem possibilitado me reconectar comigo mesma e constituir os primeiros laços com os meus filhos. Isso sem perder de vista que seguirá sendo necessário organizar a luta no campo da maternagem para combater as violências e desigualdades que atingem as mulheres que gestam”, conta a futura mãe de gêmeos, Dani Ferreira.

 

Nádia Garcia, Agência Todas.

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