Mercadante: Livros didáticos devem preservar valores civilizatórios

Ex-ministro da Educação rechaça decisão descabida do governo Bolsonaro de mudar edital de livros e suprimir trechos essenciais como os sobre violência contra mulher

Marcos Oliveira/Fotos Públicas

Aloizio Mercadante durante pronunciamento quando era ministro da Educação

Mais uma vez, sem qualquer participação social ou da comunidade educacional, o governo Bolsonaro atenta contra a educação brasileira. Desta vez, sob o falso pretexto de combater a doutrinação de esquerda nas escolas, o Ministério da Educação mutilou o edital do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) retirando a exigência de referências bibliográficas que apoiem a estrutura editorial dos livros e suprimiu trechos essenciais como  a agenda da não violência contra as mulheres e a promoção das culturas quilombolas e dos povos do campo, bem como retirou a  orientação de que ilustrações retratassem “a diversidade étnica da população brasileira, a pluralidade social e cultural do país”.

Também abriu caminho para a propaganda comercial em livros didáticos, claramente afrontando as vedações definidas pelo Estatuto da Criança e dos Adolescentes, e retirou do edital o item que impedia publicidade e erros de revisão e impressão.

Além de institucionalizar a possibilidade da doutrinação ideológica nas escolas, o fim da exigência de referências bibliográficas nas obras abre brecha para que nossos alunos recebam livros sem qualidade e fragiliza a base científica e de pesquisa, que deve sustentar os argumentos de um livro didático, prejudicando a qualidade do ensino.

Já a supressão da agenda dos direitos das chamadas minorias das escolas e o fim das ilustrações que retratem a pluralidade da nossa nação escancaram uma das faces mais cruéis de um governo pautado pela máxima de que “a maioria deve impor sua vontade sobre a minoria”, justamente o tipo de pensamento que conduziu a humanidade a regimes autoritários e cruéis, como o nazismo e o fascismo.

É evidente que o edital do PNLD deve seguir critérios técnicos, em consonância com o Plano Nacional de Educação, de forma a permitir que as redes de ensino possam optar por obras que estejam em conformidade com seus respectivos projetos pedagógicos, oportunizando uma formação completa, humanista e de respeito integral aos diretos de cidadania.

Justamente, por isso, somente após a análise de uma comissão técnica, formada por especialistas, educadores e professores, uma lista de obras é apresentada para escolha das escolas.  O PNLD é de tamanha importância que criamos o PNLD Idade Certa (livros de literatura para as turma de 1º ao 3º do ensino fundamental), do PNLD Campo (material didático específico para alunos do 1º ao 5º ano do ensino fundamental das escolas públicas rurais), além do PNLD EJA (livros para os jovens e adultos das entidades parceiras do Programa Brasil Alfabetizado (PBA) e das redes de ensino da educação básica).

Não posso deixar de mencionar que essa nova barbaridade acontece no esteio do desmantelamento da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do próprio Ministério da Educação.  A referida secretaria desempenhava um papel fundamental nas políticas educacionais para fortalecer a relação de grupos historicamente excluídos e discriminados por questões de raça, etnia, origem, situação econômica e social, gênero, orientação sexual, religião, pessoas com deficiência, sempre na perspectiva de inclusão, respeito, valorizaçāo da diversidade e construção de uma cultura de paz.

Essas primeiras ações do governo não consideram a educação como política de estado e seu compromisso com a democracia e com os direitos humanos como princípios inegociáveis.  As exigências para produção de um livro didático deve preservar os valores civilizatórios que devem ser defendidos por toda a sociedade, sempre.

No momento em estávamos divulgando esta nota, recebemos a informação de que, em um novo recuo, o governo Bolsonaro voltou atrás em mais esta tentativa de implementação de uma proposta educacional obscurantista, homofóbica e preconceituosa, no fundo, a proposta de uma educação ideologizada pelos retrocessos defendidos pela chamada “escola sem partido”. Entretanto, em razão da importância do tema, apresentamos os argumentos para contribuir com a defesa integral do Programa Nacional do Livro Didático.

Aloizio Mercadante, ex-ministro da Educação

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