MPs de Bolsonaro fragilizam trabalhadores ainda mais

Diretor técnico do Dieese alerta para avanço da precarização e diz que mudanças na legislação trabalhista devem surgir de amplo debate com a sociedade e os sindicatos

Site do PT

Sob Bolsonaro, o trabalhador perdeu condições dignas de exercer suas atividades

Desde sempre disposto a dinamitar a regulamentação das relações trabalhistas do país, Jair Bolsonaro editou no início desta semana duas Medidas Provisórias que, sob o pretexto da “segurança jurídica”, apenas deixarão os trabalhadores ainda mais “na mão do patrão”. O alerta é do diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto Junior.

Publicadas no Diário Oficial desta segunda-feira (28), a MP nº 1108 define regras para a concessão do auxílio-alimentação e para o trabalho remoto, enquanto a MP nº 1109 estabelece “medidas trabalhistas alternativas” no Programa Emergencial do Emprego e da Renda em casos de calamidade pública. Para começar, diz Fausto, alterações do tipo não deveriam ser feitas via MP, sem qualquer debate com a sociedade e os sindicatos.

Além disso, prossegue o diretor do Dieese, a MP 1108 reitera a prevalência da negociação individual, como já estabelecia a “reforma trabalhista” de Michel Temer, para a definição dos termos do chamado trabalho híbrido, que mistura presencial e home office. O objetivo, avalia, é enfraquecer ainda mais a representação coletiva dos trabalhadores, como vem ocorrendo desde a “reforma” de 2017.

“A negociação individual, na prática, não é uma negociação. O que prevalece é o poder do empresário, do empregador sobre o trabalhador. Dificilmente o funcionário tem condições de fazer uma rejeição ou uma modificação, quando a empresa assim determina”, explicou Fausto em entrevista ao Jornal Brasil Atual. “Nesse caso, por exemplo, do trabalho híbrido, passa muito mais por uma imposição da empresa, que decide para onde o sujeito vai, do que uma opção.”

O diretor do Dieese ressalta que caberá ao empregador “negociar” com o empregado os parâmetros do trabalho por tarefa, mas não fica claro quanto tempo o trabalhador deve ficar à disposição da empresa. “Essa ideia de que o trabalhador está à disposição da empresa, e de que ele é o sujeito do processo da negociação, é algo bastante preocupante”, comentou.

A MP 1108 também estabelece que a utilização de ferramentas eletrônicas de comunicação, como o celular, fora da jornada de trabalho, deixa de contar como tempo à disposição do empregador, reacendendo a discussão sobre o “direito à desconexão”. “É uma questão bastante polêmica e que precisa ser olhada com mais cuidado. Já que, normalmente, é por esses mecanismos que o trabalhador hoje está conectado o tempo todo”, afirmou o dirigente sindical.

Outra criação da MP 1108 – o trabalho remoto por produção – pode abrir de vez a porteira para que patrões se esquivem da limitação da jornada e obriguem empregados a se submeterem a expedientes muito mais extensos, sem garantia de remuneração.

A MP 1109 foi considerada por Fausto como “temerária”, pois possibilita às três esferas de governo alterar automaticamente as regras trabalhistas em função de enchentes ou outros desastres naturais. “De novo, a gente insiste que muito pouco foi discutido com a sociedade. E agora foi encaminhado como medida provisória, que já tem força de lei.”

As MPs já entraram em vigor e têm prazo de validade de 60 dias, prorrogáveis por mais 60, para serem aprovadas no Congresso Nacional. Se não forem apreciadas, deixam de valer. “O ideal, para esse tipo de matéria, era ter sido encaminhado via projeto de lei, discutido com a sociedade, de maneira democrática”, reclamou Fausto.

Livre negociação, na prática, só beneficia o empregador

No artigo ‘Reforma trabalhista: revogá-la é preciso’, publicado no GGN, Victor Leonardo de Araujo, professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), observou que a suposta livre negociação entre patrões e empregados é uma das premissas da “reforma trabalhista” de Temer, que Bolsonaro vem tentando aprofundar.

“Sob essa lógica, a reforma ignorou a relação assimétrica existente no mercado de trabalho, que exige a regulação das suas relações, estabelecendo salário mínimo, jornada, condições de trabalho e direitos”, escreveu o também coordenador do Núcleo de Estudos em Economia e Sociedade Brasileira (NEB).

Segundo Araujo, a “reforma” de Temer se baseou em três eixos: contratações atípicas e precárias, como o trabalho intermitente, e rebaixamento da remuneração e alteração das normas de saúde e segurança do trabalho; a introdução de um dispositivo que faz prevalecer o acordado sobre o legislado e outro que dificulta a arrecadação sindical; a quebra do princípio da gratuidade na Justiça do Trabalho, causando o seu desmonte.

“Pouco mais de quatro anos após entrar em vigor, os resultados da reforma são frustrantes para os que apelavam para a criação de empregos para justifica-la e defende-la”, afirma o professor. “A economia segue estagnada, e os indicadores do mercado de trabalho são desapontadores, ostentando taxas ainda elevadas de desemprego, desalento, informalidade e queda dos rendimentos reais do trabalho.”

Para o economista, a sociedade precisa refletir profundamente sobre a necessidade de regras que resultem no aviltamento das condições dos trabalhadores. “Que tipo de sociedade se está construindo se a viabilidade econômica dos empreendimentos requer trabalhadores com baixos salários e desprovidos de direitos? Neste caso, a prosperidade econômica, quando vier (e se vier) será quase inteiramente apropriada pelos empresários na forma de lucros, agravando o problema distributivo”, afirma Araujo.

“A geração de empregos ocorrerá quando a economia brasileira for capaz de sustentar uma demanda interna crescente e consistente, compatível com a decisão de produção e de investimento dos empresários”, prega o professor. “Enquanto a economia estiver letárgica, somente uma força exógena poderá retirá-la destas condições: o gasto público, na forma da expansão das transferências de renda, de contratação de servidores, e principalmente da contratação de novos investimentos”, finaliza.

Da Redação

Tópicos:

LEIA TAMBÉM:

Mais notícias

PT Cast