Mulheres negras | Grande presença na sociedade, baixa representatividade na política

Conheça os fatores que impedem 27% da população brasileira a terem seus interesses representados em cargos eletivos

Ana Clara, Agência Todas

O Brasil é um dos piores países do mundo em representatividade de mulheres na política, com uma porcentagem ínfima de 10,7% dessas representantes no parlamento, formado majoritariamente por homens. O país ocupa a vergonhosa 140ª posição no ranking de representatividade feminina no parlamento, entre 193 países pesquisados, segundo o relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) e da União Interparlamentar.

As mulheres brasileiras são maioria da população e do eleitorado, no entanto elas não ocupam sequer 15% nos cargos eletivos do país. São exatos 12,32% em 70 mil cargos eletivos, segundo o Mapa da Política de 2019, elaborado pela Procuradoria da Mulher no Senado.

Na Câmara Federal, o cenário não é diferente. Dos 513 deputados só 77 são mulheres. Em 2019, dos 11 cargos da Mesa Diretora (incluindo os suplentes) as deputadas ocupam apenas dois; e das 25 comissões permanentes somente 4 são presididas por mulheres. 

No entanto, a subrepresentatividade feminina tem uma característica ainda mais perversa quando se trata do recorte de gênero e raça. Em 2016, apenas 0,5% dos eleitos para prefeituras e câmaras de todo país eram mulheres negras — sendo que elas correspondem a 27% da população brasileira. 

Existem inúmeros fatores para explicar essa distorção que questiona profundamente a qualidade da democracia representativa brasileira, porém eles estão ancorados em dois problemas estruturais da nossa sociedade: o racismo e o machismo. 

O  estudo de Shirlei Santos de Jesus Silva, “Representatividade parlamentar das mulheres negras nas eleições de 2014 e os possíveis fatores influenciadores na não-equidade da disputa eleitoral”, aponta essa ausência de mulheres negras na político como o reflexo de um sistema racista mais amplo que sustenta a subalternidade de representação nas esferas de poder, e também nas casas, nos bairros, nas cidades e no cotidiano das vidas dessas mulheres.

Osmar Teixeira Gaspar, pesquisador da USP, em entrevista à revista AzMina, reforça que o  racismo estrutural brasileiro é responsável pelo baixo índice de negros e negras nos espaços de visibilidade positiva, prestígio e poder no Brasil. Em estudo sobre a sub-representação dos negros na política, ele destacou que existe uma mobilização social velada para que os brasileiros que descendem da forçada diáspora africana não ocupem locais importantes de prestígio e destaque, como é o caso da política. Assim, entende-se que quem deve ocupar esses locais são justamente as pessoas brancas e ricas. 

 

Que perfil ‘ideal’ é esse?

 

Tal como a ponta de um iceberg, o sistema racista e patriarcal da sociedade brasileira se expressa de diversas formas nas relações cotidianas e sociais — que vão minando silenciosa e brutalmente a participação feminina e negra na política. O Mapa Étnico das Mulheres na Política Brasileira, elaborado pela Confederação Nacional de Municípios, revela que a baixa representatividade das mulheres negras nos espaços de poder se deve à crença de um estereótipo. Mas que estereótipo seria esse?

O Mapa conclui que partidos e o próprio eleitorado tendem a associar competência política a um perfil masculino, branco, heterossexual, casado e de boa posição econômica e social — o padrão que lota as casas legislativas e executivas do país. 

As consequências desse ‘perfil ideal’ criam barreiras visíveis e invisíveis para a participação das mulheres no geral. Segundo a pesquisa Perfil Mulher na Política, do projeto Me Farei Ouvir e da ONG Elas no Poder, 40% das mulheres afirmam não ‘entrar para a política’ porque consideram que “não tem perfil”. Desigualdade na distribuição das tarefas domésticas, relutância do partido em apoiar candidatas e o ambiente hostil (assédio e desrespeito) às mulheres também foram as causas apontadas por mais de 70% das entrevistadas.  Isso demonstra a importância de iniciativas que estimulem a ambição política das mulheres, mostrando que a política é um espaço para os mais diversos perfis e personalidades.

Shirlei relatou, em seu artigo, a experiência do projeto “Mulher na Política”, em algumas comunidades de Salvador-BA com líderes comunitárias. Elas expuseram indignação e preocupação direta com os bairros onde vivem, e as suas problemáticas específicas, além de terem uma visão de que os partidos políticos são sexistas, e sem espaço para as mulheres e suas demandas, colocando essas posições como justificativas a não candidatura aos cargos políticos. 

No caso das mulheres negras, as barreiras que já impedem a saída logo de cara para a disputa política encontram eco ainda mais profundo nas marcas do racismo. Alvos da dupla discriminação — racismo e machismo –, elas ainda carregam o fardo sócio-cultural do período colonial do Brasil, a qual a coloca na maioria das vezes, em trabalhos informais, domésticos e de baixa remuneração, assim por muitas vezes a jornada tripla de trabalho é muitas vezes a única opção, de contribuir com a renda familiar — apontou Shirlei. E esse fardo ainda tem consequências concretas no presente. Em 2015, 88,7% das(os) trabalhadoras(es) domésticas(os) entre 10 e 17 anos no Brasil eram meninas e 71% eram negras(os), segundo dados do PNAD. Esses elementos alimentam a falácia de que “política não é lugar de mulher, muito menos de mulher negra” resultando no grupo com menor representatividade do país, perdendo apenas das mulheres indígenas.  

 

Vida e política

 

As cotas partidárias para candidatura de mulheres e a garantia de financiamento público são instrumentos que têm incentivado a participação feminina na política, mas ainda são insuficientes. A lógica da dinâmica eleitoral brasileira hoje ainda separa a figura “candidato” da figura “pessoal”, possível apenas em um sistema em que o candidato (homem, branco, hetero, cis) vai para a “vida pública”, enquanto mulheres cuidam de sua vida pessoal e familiar.

Portanto, medidas para garantir a participação de mulheres precisam ir além de cotas e financiamento. As questões familiares, o cuidar dos filhos e locais considerados de “mulher”, ocupam parte do tempo das mulheres, e também são pontos que ficam claros nas estatísticas, onde a maioria das candidatas segundo o Livro REDE Mulher e Democracia de 2008, tem mais de 50 anos, idade em que os filhos já estão criados e independentes, assim possibilitando o ingresso destas as candidaturas, aponta o artigo de Shirley. A quantidade de filhos também é colocada como um ponto influenciador, em que são observadas mais candidaturas de mulheres com menor quantidade de filhos. 

Ou seja, incluir e ampliar a participação de mulheres na política significa deslocar e rearranjar estruturas sólidas de discriminação e preconceito — portanto uma tarefa árdua colocada para os movimentos de mulheres e movimentos antirracistas. 

Jesus Silva aponta algumas saídas que incluem fechar as brechas preconceituosas e fatores recorrentes de dificultam o ingresso dessas mulheres negras ao cenário político. Aumentar o número é tarefa estratégica, mas não garante o sucesso dessa transformação. As mulheres negras, historicamente excluídas da construção da sociedade brasileira, precisam de estímulo do Estado e da família para se politizarem e integrarem as trincheiras da luta pelo fim do racismo, do sexismo e da lesbo-homo-transfobia.

“Tudo isso nos faz questionar sobre como as demandas das mulheres negras serão pautadas (ou não) dentro do âmbito político, sem a sua real representatividade e olhar neste meio”, pesquisadora Shirlei Santos de Jesus Silva . 

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