No ‘front’ da pandemia, profissionais da saúde enfrentam riscos

Cresce o número de médicos, técnicos e enfermeiros afastados devido ao coronavírus em todo o Brasil. Deputados do PT apresentam projeto propondo indenização e pensão a dependentes de profissionais mortos em serviço

Mário Oliveira – SEMCOM

Profissionais da saúde no hospital de campanha, em Manaus

Desde o início da pandemia do coronavírus, profissionais de saúde alertam que a insuficiência de mão-de-obra será um dos principais problemas no atendimento aos doentes. A dificuldade se agrava na medida em que médicos, enfermeiros e técnicos são infectados e têm que deixar os postos de trabalho. Esses trabalhadores são objeto de projeto de lei protocolado na Câmara pelo deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), com a coautoria dos deputados Jorge Solla (PT-BA) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

O projeto prevê indenização de R$ 50 mil e concessão de pensão especial de valor equivalente ao limite máximo do benefício da Previdência Social, hoje fixado em R$ 6.101,06, a dependentes de profissionais da saúde que morrerem por causa de sua atuação no combate à Covid-19.

Na justificativa ao projeto, o deputado ressalta que “é dever do Estado o fornecimento de orientações específicas, de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), entre outros cuidados. Bem como a responsabilidade com a manutenção da vida dos dependentes daqueles profissionais que vieram a falecer desempenhando funções essenciais”.

Para Padilha, que é médico, o poder público deve “reconhecer a importância e a nobreza do trabalho desses profissionais, que muitas vezes cumprem rotinas de trabalho exaustivas, longe das suas famílias”.

O projeto chega em um momento em que cresce o número de profissionais de saúde afastados devido à Covid-19, e os hospitais públicos começam a enfrentar dificuldades para contratar novos funcionários. Os intensivistas, especialistas em atuar nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), são ainda mais raros.

Até o momento, não há dados oficiais exatos com o número de profissionais de saúde infectados pelo coronavírus, nem quantos deles foram a óbito com a doença contraída no exercício do trabalho.

Afastamento por contaminação

Levantamento do jornal Folha de S. Paulo, a partir de consultas a secretarias de saúde, conselhos profissionais e fundações hospitalares, mostrou que até a última quinta, 16, mais de 8,2 mil médicos, enfermeiros e outros trabalhadores da saúde tiveram que ser afastados por ter sintomas ou fazer parte de grupo de risco. Mas o número é ainda maior, já que não foram obtidos dados de estados como São Paulo, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Goiás.

O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) contabilizou, até sexta, 17, o afastamento de 4.604 profissionais e 32 mortes pelo país. Os números chamam a atenção pela escalada de casos reportados. Em 5 de abril, eram 230 casos suspeitos ou confirmados. Dez dias depois, o número saltou quase 18 vezes.

“Os dados refletem o avanço da pandemia e têm nos preocupado muito. O maior problema hoje na enfermagem é a falta de EPIs. Se a pandemia avança e não temos EPI, a tendência é ter um maior número de profissionais contaminados e mais afastamentos”, afirma Gilney Guerra, conselheiro do Cofen. “Fala-se muito que os profissionais de saúde são heróis, mas é preciso lembrar que o herói adoece, precisa de EPI para trabalhar, e precisa ser respeitado nas suas limitações”.

O Rio de Janeiro já tem mais de 1,8 mil profissionais de saúde da rede pública afastados por causa da Covid-19 – 800 na capital e mais de mil pelo estado. A Secretaria de Estado de Saúde vai atualizar os números esta semana, o que poderá indicar mais profissionais fora dos postos.

No Serviço de Pronto Atendimento da Alvorada, Zona Oeste de Manaus, os profissionais de saúde se somam à lista de doentes: em uma semana, 52 testaram positivo para o novo coronavírus. No Amazonas, são 376 afastados. Houve ainda nove mortes.

Em Cuiabá, a Secretaria Municipal de Saúde já recebeu mais de 1,5 mil pedidos de afastamento ou licença médica. Por conta disso, estão sendo convocados médicos e técnicos de enfermagem para atuação na capital mato-grossense.

A Paraíba tem 45 profissionais da saúde infectados – aumento de 66% em uma semana, conforme divulgou nesta quarta, 22, o Conselho Regional de Medicina (CRM-PB). “Os profissionais de saúde estão na linha de frente e precisam de todo o suporte das unidades de saúde para atenderem bem os pacientes e não serem contaminados”, destaca o presidente do CRM, Roberto Magliano, ele mesmo infectado pelo novo vírus.

No Maranhão, o número de profissionais da rede estadual infectados subiu para 199. Segundo a Secretaria da Saúde, o número de mortes também cresceu e chegou a quatro pessoas. Em Pernambuco, a situação é mais grave. Dos 1.683 casos confirmados até a última quinta, 593 eram de profissionais de saúde, ou mais de um terço das confirmações. A explicação, segundo a Secretaria de Saúde, é que Pernambuco foi o primeiro estado a criar um protocolo para testar as pessoas que atuam na área da saúde.

A infecção em profissionais de saúde também já é uma realidade em Juiz de Fora (MG). Pelo menos 98 médicos, enfermeiros e técnicos, entre outras especialidades, foram afastados até esta segunda. “Infelizmente, nas estatísticas do mundo inteiro, os profissionais de saúde têm maior risco de se infectarem e terem Covid-19. A chance é maior por causa dessa exposição contínua que temos no dia a dia assistencial”, pontuou o infectologista Guilherme Côrtes em entrevista ao jornal local Tribuna de Minas.

A Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPMD), organização social ligada à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que administra 16 hospitais no estado e gerencia 1,5 mil leitos de UTI no país, abriu três mil vagas para formar equipes, e 600 ainda não foram preenchidas. Segundo relato do secretário municipal de Saúde de SP, Edson Aparecido, para a Folha de S. Paulo, médicos de áreas em que o atendimento caiu começam a ser treinados para trabalhar em UTIs.

Mais médicos

“É um gargalo nacional”, comenta o governador do Maranhão, Flávio Dino. “Daí nossa proposta ao ministro da Saúde: trazer estrangeiros e abrir o Revalida [exame para médicos trabalharem no Brasil] especial para brasileiros formados no exterior”.

Os nove governadores do Nordeste encaminharam o documento com a demanda ao novo ministro da Saúde, Nelson Teich, na sexta, 17. Eles pretendem criar uma Brigada Emergencial de Saúde e contratar 15 mil médicos formados no exterior que estão sem autorização para atuar no Brasil.

Embora tenha lhes dito que o pedido está sob análise, Teich emitiu sinais de que recusará a demanda, com o respaldo do Palácio do Planalto. Segundo a CNN Brasil, o Ministério da Saúde fez um cadastramento de médicos pelo país e teria identificado “385.505 profissionais de saúde dispostos a atuar imediatamente em todo o Brasil, além de 102.235 estudantes dos cursos de Farmácia, Medicina, Enfermagem e Fisioterapia, que poderão atuar sob supervisão”.

No entanto, encontrar profissionais qualificados para operar os cuidados intensivos exigidos pela doença é cada vez mais difícil. A Internacional dos Serviços Públicos (ISP), destinada a ajudar sindicatos do mundo todo a evitar a precarização do trabalho de profissionais de áreas essenciais, levantou que 70% dos trabalhadores da saúde no Brasil não receberam treinamento adequado.

Segundo a entidade, 55% afirmaram passar por sofrimento psicológico neste momento, e 10% têm enfrentado mais de 12 horas de jornada de trabalho. “O que eles têm falado é que a capacitação para o atendimento a pacientes com suspeita ou confirmação de coronavírus está nos gestores ainda, ou seja, ainda não chegou para quem está na ponta, atendendo à população”, afirma Denise Motta Dau, secretária sub-regional da ISP.

Neuza Freitas, diretora do Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sind-Saúde), disse que cresce entre os líderes sindicais a preocupação com a reposição dos funcionários na já deficitária rede hospitalar. “O governo diz que os hospitais estão preparados para o pico da pandemia, mas na realidade o que vemos é número de trabalhadores reduzidos e falta de equipamentos. E se não fornece, eles vão adoecer amanhã.”

O enfermeiro Carlos Eduardo Vicente se voluntariou para ir a Manaus (AM), integrar a primeira equipe que reforça o atendimento em estados em situação de calamidade. Para ele, o quadro encontrado é chocante. “Toda hora chegam pacientes graves. A equipe está cansada, muitos foram afastados por estar com coronavírus. Já estou na saúde pública há 22 anos e nunca vi algo desta magnitude. Acho que a gente precisa se preparar mais em cima de protocolos, de planos, porque quando começar a chegar, de fato, não sabemos se vamos suportar tudo isso”, alertou.

 

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