O impacto econômico da guerra na Europa e o desgoverno Bolsonaro

Em artigo na revista Focus Brasil, o presidente da Fundação Perseu Abramo, Aloizio Mercadante, analisa o impacto do conflito da Ucrânia na economia brasileira, desarmada pelas medidas adotadas pelo governo Bolsonaro

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Preço do barril de petroleo explode; Brasil é refém da paridade internacional

Enquanto Bolsonaro aproveitou as férias para passear de jet-ski no litoral paulista, isolado e alheio à conjuntura geopolítica global, o avanço da guerra na Ucrânia e as medidas de retaliação à Rússia apresentam grandes desafios para a economia brasileira. Conforme alertamos no artigo anterior, esta crise pode ter graves impactos no Brasil, agora agravados com a decisão do governo russo de paralisar totalmente a produção de fertilizantes, com consequências dramáticas para a agricultura brasileira. Isso porque não só a nossa agricultura está completamente dependente da importação de fertilizantes, como também o conflito na Europa tem gerado uma disparada no preço internacional do petróleo, do trigo e de outras commodities.

Os russos são responsáveis por 15% das exportações globais dos adubos nitrogenados e 17% das de potássio. No caso brasileiro, somos muito dependentes e importamos entre 85% e 90% dos fertilizantes que utilizamos no campo. Em 2021, Rússia e Belarus foram responsáveis por 28% dos fertilizantes importados pelo Brasil, o que dá a medida do impacto que paralisação da produção russa terá na produção agrícola nacional, pressionando o preço dos alimentos e ameaçando a segurança alimentar brasileira.

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O quadro se agrava quando observamos que o governo vinha aumentando a dependência da nossa agricultura da produção internacional. Em 2020, a produção de fertilizantes recuou 22% em relação ao ano de 2018. Essa diminuição pode ser explicada, em grande medida, pelo processo de desinvestimento da Petrobrás, que fechou uma unidade e vendeu três fábricas de fertilizantes no país.

Em 2019, Bolsonaro anunciou a saída definitiva do setor de fertilizantes. E só agora, a ministra da Agricultura lamenta o abandono da estratégia de investimentos promovida pelos governos do PT para assegurar maior oferta interna e garantir mais soberania e segurança alimentar ao país.

Como alternativa, Bolsonaro aparece com a ideia de extrair fertilizantes em terras indígenas, sem qualquer estudo prévio de impacto ambiental e sem qualquer medida compensatória para os povos originários. Mais um arremedo predatório, que é uma marca fundamental desse desgoverno.

Além disso, desde o golpe de 2016 e a ascensão de Bolsonaro, o Brasil não tem uma política estratégica para a Petrobrás atuar como empresa garantidora do abastecimento nacional, com preços de menor impacto possível, especialmente quando ocorrem elevações nos preços internacionais do petróleo.

Pelo contrário, a empresa perdeu sua integração sistêmica entre prospecção, exploração, produção, refino e distribuição e adotou a paridade internacional de preços, dolarizando as tarifas de derivados e privilegiando a exportação de óleo cru em detrimento do refino no país.

O esquartejamento da Petrobrás, com a privatizações de refinarias, da BR Distribuidora e dos gasodutos, impõe a importação de derivados que só beneficia 390 empresas importadoras e acionistas minoritários, favorecidos pela dolarização dos preços que asseguram lucros e dividendos.

No caso do petróleo, o valor do barril no mercado futuro chegou a atingir US$ 118 pela primeira vez desde fevereiro de 2013. Com tal escalada do preço, importadoras e acionistas privados da Petrobrás já pressionam por um novo reajuste dos combustíveis no Brasil, com os argumentos de que o produto está há 50 dias sem aumento. Reclamam que os valores do diesel e da gasolina nas refinarias atingiram defasagem de 25% ante a paridade de importação.

A pressão ocorre quando a Petrobrás tem lucro de R$ 106 bilhões, distribuindo R$ 101,4 bilhões em dividendos a acionistas. Isso tudo poderá acelerar ainda mais a inflação de dois dígitos, penalizando as famílias brasileiras com o aumento do custo de vida. A pressão inflacionária tende a ser forte, porque impacta toda estrutura de transportes da economia.

Para agravar a conjuntura, o mundo acompanha a escalada do preço do trigo e de outras commodities. Rússia e a Ucrânia juntas representaram quase 29% das exportações globais de trigo no ano passado. Com a guerra, o preço desse produto subiu 8,91% — maior valor em 13 anos —, no início da semana passada. O aumento vai chegar no preço final de pães e massas.

Tudo aponta para a aceleração da inflação, com consequente aumento da taxa de juros, o que vai prejudicar a debilitada economia brasileira, que está tentando sair de um cenário de recessão prolongada para a estagnação projetada. O tempo da guerra e das medidas econômicas de retaliação vão determinar a extensão do dano.

Mas, como disse Lula, em visita ao México, onde teve uma calorosa recepção do presidente Andrés Manuel Lopes Obrador, além de ter sido convidado de honra da Câmara e Senado e fortemente saudado pelos líderes de todos os partidos mexicanos, o mundo precisa de comida, de emprego, de educação, e não de guerra.

O clamor é para que as lideranças mundiais envolvidas no conflito entre Rússia e Ucrânia larguem as armas e resolvam as divergências com diálogo e negociação. Essa é um das diferenças fundamentais entre um estadista e um bravateiro piloto de jet-ski, que tira férias e cuja única medida anunciada foi zerar os impostos de importação do próprio brinquedo.

Aloizio Mercadante é presidente da Fundação Perseu Abramo

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