‘Perdi meu pai e não quero perder mais ninguém’, a saga de uma mãe em luto

Silvia* mora com a esposa grávida e o filho de três anos. Ela perdeu o pai no final de março por parada cardiorrespiratória, mas suspeita de Covid-19.

Ana Clara, Agência Todas

“Eu tive um luto e poucas condições para vivê-lo. Isso fez com que todo o resto degringolasse”. Silvia*, 37, perdeu o pai no final de março, ela mora com a esposa grávida, o filho de três anos e dá assistência para a mãe, que mora na rua de cima. 

A família mora no interior de São Paulo. O pai de Silvia, Antonio*, começou a adoecer no sábado, 21 de março. Por conta das orientações das autoridades sanitárias e o decreto da quarentena no estado de São Paulo, a assistente social passou o final de semana tensa e atenta aos cuidados com o ente querido. “Não queria levá-lo ao hospital por medo de nos contaminarmos”, relembra. O pai é idoso e estava no grupo de risco considerado pela OMS. Silvia esperou até segunda-feira para marcar uma consulta, no entanto, ele passou a madrugada de domingo sentado, com muita dificuldade em respirar. 

Imediatamente, a filha levou-o ao Pronto Socorro na segunda-feira de manhã. “E de uma hora para outra, ele faleceu, na segunda-feira à tarde”. Silvia conta que a médica diagnosticou um tumor que fechou a garganta e provocou parada cardiorrespiratória. “Só que até 3 dias antes ele estava ótimo, sabe? Não sabíamos desse tumor”, questiona.

Silvia e a mãe, que mora na rua de cima, não puderam passar os primeiros dias em isolamento, porque tiveram que lidar com as burocracias de velório, sepultamento e enterro de seu Antonio. 

 “Os dias subsequentes ao enterro eu não sei contar como foi… sinceramente… foi muito caos em casa e na minha cabeça”, relata Silvia. 

O sofrimento pela perda do pai e o sentimento de responsabilidade pela série de eventos afetaram a saúde física e mental da servidora pública. O medo de contaminação e o avanço do vírus exaurem o pensamento, enquanto dores na articulação, insônia e problemas de ATM afligem o corpo físico. 

 

A DESCONFIANÇA DA CAUSA COVID-19

Quando o pai deu entrada no hospital com sintomas respiratórios, Silvia chegou a pedir que o teste para Coronavírus fosse feito, mas foi informada pela médica da UPA que não havia teste disponível, porque eles estavam sendo destinados à capital e para quem tinha convênio. No interior, segundo a médica, não havia teste disponível pelo SUS. 

Ela desconfia que a real causa do falecimento do pai foi o Coronavírus e relata que o filho veio gripado da escola cerca de dez dias antes de seu Antonio apresentar sintomas. Em seguida, ela mesma começou a apresentar sintomas mais relacionados à garganta. 

“Foi quando a possibilidade do covid bateu escancaradamente na minha cara. Na minha cabeça, se meu pai não era um caso extremamente grave para se fazer o teste, quem então seria?”, desabafa a filha que perdeu o pai, no início da pandemia. 

A suspeita do contágio por Covid-19 abateu Silvia e sua família por semanas. “Mas essa é daquelas dúvidas que nunca vamos saber, apenas conviver” afirma.

 

RECUPERAR A ROTINA COM UMA GESTANTE EM CASA E UM FILHO DE TRÊS ANOS

Enquanto as pessoas se fechavam em casa, Silvia corria para resolver burocracias em cartório, banco, mercado, funerária, hospital, sempre tensa e com muito medo, pois ainda dava assistência para a mãe que é idosa e asmática, além de morar com a esposa gestante, que em gravidez de risco e tinha acabado de perder o emprego, além do filho de três anos. 

“Já perdi meu pai e não quero adoecer e nem perder mais ninguém”. 

Depois das primeiras semanas turbulentas, o isolamento começou a se tornar mais constante e as saídas mais evitáveis. Silvia é peremptória ao afirmar que nenhum planejamento diário sobrevive em meio ao caos, mesmo quando ele é factível. Ela trabalha no Tribunal de Justiça, faz home office e admite que, apesar da rotina mínima, é tudo fora de controle. “Algo sempre fica para trás” seja nas tarefas educativas do filho, na administração das compras do supermercado, na assistência da mãe, na rotina do trabalho ou no acompanhamento da gestação. 

 

Os altos e baixos com os cuidados do filho Paulo, 3, acompanham a instabilidade geral que assola as famílias durante a pandemia. No começo, a criança demonstrou satisfação em estar mais perto e passar mais tempo com a mãe e a  madrasta. No entanto, a falta de outras crianças e a exigência cada vez maior de atenção acabaram gerando conflitos. Com o caos, tem horas que não conseguimos estar inteiras com ele. É um pouco triste”, desabafa a mãe de Paulo, de três anos.

 

UM DIA DE CADA VEZ

Por conta das saídas frequentes, Silvia se impôs um auto isolamento dentro de casa para diminuir os riscos de contaminar a família. Uma medida de ordem prática, acabou se tornando uma chave para encontrar um eixo em meio ao turbilhão de acontecimentos. Ela afirma que o tempo a sós matou a saudade que ela sentia dela mesma. 

Agora, ela e a esposa conseguiram voltar a praticar meditações e Fátima* saiu da gestação de risco que se encontrava, tanto que agora ambas voltaram até pensar em parto domiciliar. A esposa faz pilates online, a criança se encontra um pouco mais calma e o clima familiar começa a melhorar. 

Diminuir o acesso às redes sociais e às notícias e fazer pão em família também foram medidas adotadas pela assistente social para manter a saúde mental. E em relação à maternidade, ela já tem algumas certezas: Paulo não volta para a escola esse ano e “o puerpério vai ser bem louco com um recém nascido e uma criança de três anos, sem poder sair e sem rede de apoio”. Para enfrentar tudo isso, nas próprias palavras de Silvia: é uma coisa de cada vez. 

*Nomes foram trocados a pedido da entrevistada

 

Confira a terceira reportagem do Especial Dia Das Mães | “Maternidades possíveis durante a quarentena”

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