Polícia se aproxima dos financiadores da milícia bolsonarista

Documentos contidos em cofre apreendido pela Polícia Civil de Brasília podem apontar quem patrocina atos antidemocráticos favoráveis a Bolsonaro. Alexandre de Moraes quebra sigilo de inquérito federal e revela que PGR vê indícios de associação criminosa com participação de parlamentares

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Milicianos bolsonaristas

Um cofre apreendido nesse domingo (21), em operação da Polícia Civil do Distrito Federal na sede do grupo extremista QG Rural, pode fornecer as pistas que revelem os financiadores dos atos antidemocráticos realizados por grupos bolsonaristas nos últimos meses. O local, uma chácara na região de Arniqueiras, também abrigava manifestantes ligados a outros dois agrupamentos de extrema direita, o Patriotas e o 300 do Brasil.

Policiais da Coordenação Especial de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Cecor) abriram o cofre e encontraram documentos e notas fiscais que serão analisados pelos investigadores, que apuram os crimes de milícia privada, ameaças e porte de armas.

O dono da chácara, localizada próximo ao Riacho Fundo, é o fazendeiro goiano André Luiz Bastos Paula Costa, que ameaçou o governador do DF, Ibaneis Rocha, após a remoção de acampamentos de extremistas da Esplanada dos Ministérios. André tem histórico de violência em manifestações e teria dado uma facada no braço de um homem, em 2018, em Goiânia.

“O dono do imóvel é um integrante de um desses grupos que vem emitindo declarações ameaçadoras e injuriosas em redes sociais, inclusive com ameaça ao governador do DF. Isso pode ser um indício de que ele seja um dos financiadores do grupo, justamente por disponibilizar a propriedade para o grupo realizar as ações”, disse o coordenador da Cecor, Leonardo de Castro, ao jornal ‘Correio Braziliense’.

Acampamento do grupo “300 do Brasil” desalojado da Esplanada dos Ministério pelo Governo do Distrito Federal. FOTO: Reprodução

Por causa disso, a Polícia Civil intimará o goiano a prestar depoimento sobre o caso, mas não há uma data prevista. “Algumas pessoas foram chamadas para prestar depoimentos, e outras serão ao longo da semana”, informou o delegado. ”O empresário também é investigado na Delegacia Especial de Repressão aos Crimes Cibernéticos (DRCC) por gravar ameaças a Ibaneis.

Letizia de Lourenço, delegada adjunta da DRCC e responsável pelo caso, disse que o suspeito ainda não foi chamado para prestar depoimento sobre os vídeos. “Estamos investigando muitos casos de ameaças e no meio da investigação. Por enquanto, não vamos divulgar nenhuma informação para não comprometê-la”, explicou.

Os grupos vêm se organizando há mais de um mês e realizam atos que, segundo o delegado Castro, ultrapassam os limites de liberdade de expressão e se tornam crimes. Uma vez que eles relatam, em vídeos, portar armas de fogo, além de fazerem ameaças, a Cecor decidiu iniciar as apurações.

Segundo Castro, não serão punidos só os indivíduos que emitem declarações, mas todos os que têm participação e tiveram a intenção de se agrupar para cometer os crimes – inclusive quem financia ou mantém esses grupos. Para o delegado, o local era utilizado pelo grupo para reuniões e treinamentos, assim como o acampamento descoberto antes, na região de Rajadinha.

“O inquérito foi aberto há, aproximadamente, um mês, após agruparmos as informações relacionadas a outras ocorrências de crimes cometidos por eles, em redes sociais. Eles são bastante combativos. Havia indícios de que eles possuíam armas nos acampamentos e isso era declarado por eles”, contou o delegado.

Além disso, Castro afirma que, em decorrência das ações do GDF que desmontaram os acampamentos, os suspeitos declararam que durante a manifestação desse domingo (21) haveria “uma grande surpresa” para os governantes. “Foi mais uma razão que nos levou a apressarmos a medida de busca”, explicou. A Polícia Federal também apura crimes em sua competência.

Fazendeiro financiador

Dias antes de a Cecor cumprir mandado de busca e apreensão, o portal ‘Metrópoles’ publicou entrevista com um integrante do QG Rural, que pediu para não ser identificado, revelando o papel de André Costa: “Na verdade, toda a estrutura lá, quem nos dá apoio é o André. Ele representa o Agro [agronegócio], a classe pecuária. Ele vem nos apoiando. Então, a gente reivindica algumas pautas dele, mas a estrutura toda é dele. A chácara lá é desse André, ele ofereceu isso para a gente, para a gente lutar junto com o Agro”.

O homem detalhou que o fazendeiro mantinha os manifestantes e fornecia alimentos, em companhia de outras pessoas que se solidarizavam com a causa. “Ele [André] é de Goiânia e todo fim de semana vem para cá”, contou o militante do QG Rural, que confirmou apoios também de empresários de Corumbá (MS) e do DF: “Aqui também [em Brasília] a gente vem conseguindo muito apoio, faixa, outdoor”.

Na entrevista, o militante revelou o nome de dois outros apoiadores dos grupos. Um deles é Elano Holanda de Almeida, um idoso que passou mal ao ser atingido por spray de pimenta na ação da Polícia Militar na Esplanada dos Ministérios que desmontou os acampamentos dos bolsonaristas.

Segundo a fonte, Elano também é de Corumbá, onde sempre promovem atos favoráveis ao “mito”. “A gente fez o movimento pró-Bolsonaro gigantesco na campanha dele. A gente fez ‘barqueata’ no Pantanal, que repercutiu nacionalmente”, detalhou o homem. “A gente sempre investe em movimentos, teve o “Fora Dilma”, na época [do impeachment], e aí a gente se uniu, né?”, completou.

“O dono do imóvel é um integrante de um desses grupos que vem emitindo declarações ameaçadoras e injuriosas em redes sociais, inclusive com ameaça ao governador do DF”, diz o coordenador da Cecor, Leonardo de Castro.

Associação criminosa

Nesta segunda (22), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes apontou em decisão relativa ao inquérito que investiga o financiamento dos atos antidemocráticos indícios que “confirmam a real possibilidade de existência de uma associação criminosa”.

Em manifestação, a Procuradoria-Geral da República (PGR) indicou a participação de parlamentares na formulação de mensagens, propagação e financiamento de profissionais na produção das mensagens dos movimentos inconstitucionais.

É o que dizem trechos da manifestação usada por Alexandre de Moraes ao determinar diligências no âmbito do inquérito, aberto em abril deste ano a pedido do Ministério Público Federal (MPF). Nesta segunda (22), Moraes, relator do caso na Suprema Corte, tornou pública a decisão proferida por ele em 27 de maio que determinou as diligências, citando trechos da manifestação da PGR.

Na semana passada, ele determinou a quebra de sigilo bancário de 10 deputados federais e um senador bolsonaristas. No mesmo dia, a Polícia Federal cumpriu buscas e apreensões contra 21 pessoas apoiadoras do presidente, entre blogueiros e o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), que também teve quebra de sigilo.

O documento menciona a existência de uma “rede integralmente estruturada de comunicação virtual voltada tanto à sectarização da política quanto à desestabilização do regime democrático para auferir ganhos econômicos diretos e políticos indiretos”.

“Na parte visível de toda essa organização há militantes, há políticos, há organização, há recursos financeiros. Há também direitos. Todavia, potencialmente pode haver abusos e crimes que precisam ser apurados a partir do esclarecimento do modo de funcionamento estruturado e economicamente rentável de uma escalada de organização e agrupamento com pretensões aparentes de execução de ações contra a ordem constitucional e o Estado Democrático e provocação das Forças Armadas ao descumprimento de sua missão constitucional”, destacou a PGR.

Segundo a Procuradoria, “nesse entrelaçamento formam-se complexas relações de poder por cooperação, dependência e dominação”. “Estes mesmos relacionamentos denotam, igualmente, um alinhamento consciente entre os componentes dos grupamentos direcionado à realização de ações potencialmente típicas, independentemente da existência de um acordo propriamente dito para esse fim”, acrescentou a instituição.

Para a PGR, a organização tem quatro braços: “Organizadores e movimentos”; “influenciadores digitais e hashtags”; “monetização”; e “conexão com parlamentares”. A PGR destaca que é preciso verificar “a procedência dos recursos que financiam as aquisições, locações e eventualmente viagens e alimentação de manifestantes”, além de observar “de onde partem as propostas de manifestações e como elas são propagadas ao seu público-alvo”.

A PGR avança em duas linhas de investigação. Na primeira, relacionada ao financiamento dos ataques ao STF e Congresso, a Procuradoria apura se parlamentares usaram verba pública para patrocinar a produção de conteúdo ofensivo e também dar suporte às manifestações. Em outra frente, há indícios de que os investigados disseminaram “mensagens apelativas” em redes sociais em busca de dinheiro. Com isso, podem ter lucrado mais de R$ 100 mil.

“A suspeita é que parlamentares, empresários e donos de sites bolsonaristas atuam em conjunto e de forma orquestrada”, afirmou o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques, no pedido de diligências enviado ao ministro Alexandre de Moraes.

Gabinete do ódio

Canais bolsonaristas no YouTube apagaram 2.015 vídeos da rede social desde o começo do mês de junho. Os dados são da Novelo Data e foram revelados pelo jornal ‘O Globo’. A empresa analisou 81 contas na plataforma e concluiu que ao menos 37 apagaram conteúdos neste mês. O canal que mais teve conteúdo deletado foi o canal Gigante Patriota: são 1.300 a menos desde o início de junho, sendo que quase todas as exclusões foram feitas no último fim de semana.

A retirada dos vídeos de canais de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro acontece após o Supremo Tribunal Federal autorizar a continuidade do inquérito que investiga a disseminação de fake news, especialmente contra ministros da corte e membros do Congresso Nacional. Um dos alvos do inquérito é o blogueiro Allan do Santos. Segundo levantamento da Novelo Data, ele apagou cerca de 270 vídeos do canal Terça Livre.

Para atacar seus desafetos, o presidente e seus filhos montaram dentro do Palácio do Planalto uma espécie de Agência Brasileira de Inteligência paralela, que elabora dossiês contra adversários e opositores. Essas informações vão para o Gabinete do Ódio, instalado no terceiro andar do Planalto. É aí que são produzidas as campanhas do ódio, segundo a relatora da CPI das Fake News, deputada Lídice da Mata (PSB-BA).

A ex-aliada e deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), afirma que o Gabinete do Ódio é coordenado pelos filhos Carlos e Eduardo, e conta com a participação do assessor especial da Presidência Felipe Martins e de três assessores de Carlos: Tércio Arnaud Tomaz, José Matheus Sales Gomes e Mateus Matos Diniz. Conta também com a colaboração do autodenominado filósofo Olavo de Carvalho. Ainda segundo a denúncia da deputada, Jair conta com 1,4 milhão de robôs que impulsionam seu Twitter, e Eduardo, com 468 mil.

Cibermilícias são parte de campanhas mais inclusivas, envolvendo novos websites que parecem independentes, mas que se abastecem das mesmas fontes, todos impulsionando a mesma agenda. Um exército de trolls, cyborgs e bots, que se fazem passar por pessoas e replicam as mesmas mensagens.

Pesquisa realizada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo analisando os apoiadores de Jair Bolsonaro no Twitter no dia 15 de março, que o homenageavam com a expressão #BolsonaroDay, identificou que, das 66 mil menções favoráveis ao presidente, 55% eram produzidas por robôs programados para viralizar suas mensagens.

Foram identificadas 1,7 mil contas que reproduziram a mensagem #BolsonaroDay e foram desativadas horas depois da mensagem emitida. As contas foram utilizadas por robôs, bots, que emitiram 22 mil mensagens a favor de Bolsonaro.

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