PT defende “Mais Bolsa Família” para enfrentar a desigualdade

Governo quer criar programa social extinguindo benefícios como seguro-defeso, salário-família e abono salarial. Ao final, o resultado será um empate para o governo e uma derrota para os mais pobres. PT defende mais recursos para o Bolsa Família e a extensão do auxílio emergencial de R$ 600 pelo menos até o fim do ano

Obcecado pela reeleição em 2022, o presidente Jair Bolsonaro exige pressa de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, para concluir o projeto com o qual pretende matar o Bolsa Família, mais bem-sucedido programa de transferência de renda do mundo. Com anúncio previsto para esta terça (25), mas adiado nesta segunda-feira, pouco se sabe sobre os detalhes da ação além do nome, Renda Brasil, e do fato de que Guedes pretende extinguir programas sociais como seguro-defeso, salário-família e abono salarial, tirando com uma mão e dando com a outra.

O PT tem denunciado a manobra oportunista do governo e defendido a extensão de uma renda fixa para os mais pobres. Na semana passada, a presidenta nacional do partido, Gleisi Hoffmann, comentou o endividamento crescente dos trabalhadores. “Quatro milhões de pessoas pediram empréstimos em julho para enfrentar a crise econômica. Os mais pobres foram os que mais recorreram, 59,2% com ganhos mensais inferiores a um salário mínimo. Isso mostra a importância de uma renda fixa para socorrer o trabalhador, que só vai se endividando”, afirmou a deputada paranaense em seu perfil no Twitter.

Em 5 de agosto, a bancada do PT na Câmara apresentou o Projeto de Lei 4.086/2020, que cria o Mais Bolsa Família e amplia as condições de superação da vulnerabilidade econômica. O programa assegura o acesso de mais famílias ao programa e ainda eleva o valor dos benefícios já concedidos, que sobe de R$ 78 para R$ 300.

Na justificativa do PL 4.086, a bancada aponta a necessidade de o Estado assegurar um programa de renda básica permanente. O Mais Bolsa Família ampliará efeitos e se tornará um colchão de proteção, indo além da população em situação de pobreza e extrema pobreza. Na proposta do PT, o CadÚnico ampliado seria utilizado como base de dados para o conjunto dos brasileiros, incorporando imediatamente a base do auxílio emergencial e integrando-o com os demais sistemas.

Para ampliar o número de famílias beneficiárias, o Mais Bolsa Família eleva os limites de renda dos elegíveis. Pela proposta da bancada petista, liderada pelo deputado Enio Verri (PR), todas as famílias com renda mensal de até R$ 600 por pessoa, e que tenham gestantes, mães e responsáveis pela nutrição, crianças e jovens, teriam direito a um benefício fixo de R$ 300 para cada um deles, limitados a cinco benefícios por família. No total, cada família chegaria a receber R$ 1,5 mil por mês.

Para as famílias com renda mensal de até R$ 300 por pessoa – acima da linha de extrema pobreza definida pelo Banco Mundial – também seria assegurada uma complementação mensal de renda, adicional aos benefícios para crianças, jovens nutrizes e gestantes, de forma a garantir que nenhum brasileiro viva com menos de R$ 300.

Também será criado um Conselho de Transparência e Avaliação de Políticas de Enfrentamento à Pobreza, que terá como atribuição a realização de estudos, avaliações e recomendações sobre políticas sociais. O conselho terá 11 integrantes, com mandato de dois anos, com representantes do Senado, Câmara, Judiciário, MPF, governo federal, sociedade civil e da comunidade científica.

Desigualdade continua crescendo

Tereza Campello, ex-ministra do Desenvolvimento Social do governo Dilma, coordenou os debates que resultaram na proposta legislativa. “Ou fazemos isso ou a desigualdade continuará crescendo”, aponta a economista.

O auxílio emergencial para os trabalhadores informais, que alcançou mais de 65 milhões de pessoas, deve ser extinto até o fim do ano. Bolsonaro já descartou a proposta dos partidos de oposição de manter o valor de R$ 600 até o final do ano. Para ele, é “dinheiro demais”. Gleisi se preocupa com as consequências disso para os trabalhadores, que perdem renda a cada dia sob a pressão da política econômica de Paulo Guedes. “A porta de saída da crise econômica e social é garantir renda digna ao povo trabalhador”, aponta a presidenta do PT.

Os parlamentares apresentaram no projeto três cenários sobre os custos para ampliação do atual Bolsa Família, considerando a complementariedade dos benefícios e as incertezas quantos aos efeitos da pandemia sobre a economia. No primeiro, mais adequado ao cenário pós-pandemia, os petistas estimam que 30 milhões de famílias seriam beneficiadas com o Mais Bolsa Família, com custo mensal de R$ 19,2 bilhões, de R$ 230 bilhões por ano.

No segundo cenário, 22 milhões de famílias receberiam o benefício a um custo mensal de R$ 14 bilhões, e R$ 168 bilhões anuais. No cenário mais otimista, 18 milhões de famílias seriam atendidas pelo programa, a um custo mensal de R$ 11,5 bilhões, e de R$ 138 bilhões por ano. Em todos os casos, para estimar o investimento adicional a ser feito, devem ser abatidos os atuais R$ 32 bilhões gastos com o atual Bolsa Família.

Além disso, também deve ser levado em conta os efeitos multiplicadores na economia com o programa. De acordo com os parlamentares, apenas o atual Bolsa Família é responsável por 1,78% do PIB, que permite estimar no primeiro cenário um aumento de arrecadação de R$ 29 bilhões, no segundo de R$ 36 bilhões e, no terceiro, de R$ 53 bilhões.

“Ampliar a atual Seguridade Social exigirá enfrentar o conflito distributivo em torno da tributação e da alocação orçamentária no Brasil”, aponta o líder Enio Verri. Não é possível ampliar a proteção social mantendo o mesmo nível de gasto. Por isso, a implementação dos novos instrumentos de proteção social deverá ocorrer em simultâneo à uma reforma dos mecanismos para seu financiamento.

O PT propõe que na Reforma Tributária Solidária, apresentada pela legenda e outros partidos de esquerda, sejam onerados os muito ricos, apenas 0,3% da população, haja revisão das desonerações fiscais e no combate à sonegação fiscal, para financiar o programa. A ideia é promover justiça social por meio da taxação dos setores mais privilegiados que estão no topo da pirâmide social brasileira.

Na justificativa da proposta, os parlamentares destacam ainda que o Mais Bolsa Família vai possibilitar vai dar mais um passo em direção à garantia de renda universal, assegurando que a Renda Básica de Cidadania prevista na Lei 10.835/2004, que institui a renda básica de cidadania, de autoria do ex-senador Eduardo Suplicy, aprovada e sancionada já no primeiro governo Lula, vire realidade.

Para o deputado Patrus Ananias (PT-MG), ministro do Desenvolvimento Social do governo Lula entre 2004 e 2010, o caminho para sedimentar a construção de uma renda mínima no país passa necessariamente pelo Bolsa Família. Ele destaca o fato de o programa já operar de forma interligada com outras políticas sociais do país, como Luz para Todos, Minha Casa, Minha Vida e outras ações no campo e na cidade.

“A integração do Bolsa Família com essas políticas públicas todas é fundamental. Agora, o programa em si também precisa ser mantido e, se houver mais recurso, vamos ampliar o valor”, defendeu o ex-ministro ao portal ‘Brasil de Fato’.

Bolsonaro queria auxílio de R$ 200

Em março, o Partido dos Trabalhadores lançou um projeto de Seguro Básico emergencial para garantir um salário mínimo à metade da população brasileira. A proposta previa R$ 1.045 de renda a 100 milhões de brasileiros que precisam permanecer dentro de casa e parar suas atividades. “Quem pode bancar a conta é o Estado brasileiro. É para esse tipo de emergência que o governo deve atuar”, disse Tereza Campello.

Na ocasião, discutia-se uma renda emergencial para os mais vulneráveis, e o governo anunciou que ela não poderia ultrapassar a casa dos R$ 200. “A proposta apresentada pelo governo Bolsonaro de conceder abono de R$ 200 para o público do Cadastro Único é um acinte. Mostra que eles desconhecem o Brasil”, alertou a ex-ministra. “Precisamos dar dinheiro às famílias para mantê-las seguras dentro de casa e em segurança alimentar. Pagar para que elas parem”, justificou. Derrotado no Congresso, o governo teve que adotar o auxílio de R$ 600, que agora será reduzido caso seja estendido até dezembro.

O PT também apresentou um projeto voltado para o setor das micro e pequenas empresas (MPEs) chamado ‘Ninguém demite ninguém’, para garantir a sobrevivência econômica de todos durante o período de isolamento social, priorizando vidas antes de qualquer coisa. “A solução não é ir contra a ciência e acabar com a quarentena”, pondera Tereza. “A solução é o governo federal apoiar as MPEs para que elas possam preservar empregos e se manterem ativas quando a crise passar”.

Governo sabotou o Bolsa Família

No Orçamento da União de 2020, a verba destinada ao Bolsa Família caiu de R$ 32,5 bilhões para R$ 29,5 bilhões, e a fila para o recebimento do benefício, zerada ao fim do governo de Dilma Rousseff, voltou a crescer.

Em março, também foram cortados 158 mil beneficiários do programa, 61% deles do Nordeste. Os governadores recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF), que proibiu novos cortes enquanto durar a pandemia. Em junho, o governo também tentou tirar dinheiro do Bolsa Família para gastos com publicidade do Planalto.

Em junho, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) afirmou em pronunciamento que a mudança no programa anunciada por Guedes é motivo para a sociedade ficar alerta. Segundo ele, o Bolsa Família “é um marco civilizatório do qual todos os brasileiros devem se orgulhar, é um programa aplaudido pelo mundo inteiro pelo seu poder de minorar as desigualdades que, infelizmente, ainda são a marca do nosso país”.

Jean Paul Prates advertiu que os planos para o Bolsa família não estão claros e criticou a possibilidade de o programa ser vinculado à Carteira Verde Amarelo para atender trabalhadores informais. Para o senador, esses trabalhadores precisam de ações sérias e concretas, que não podem servir de pretexto para fragilizar o Bolsa Família.

“Quem tentou se apropriar de R$ 83 milhões do Bolsa Família destinado ao povo pobre do Nordeste para financiar fake news não pode ter boas intenções com o programa”, argumentou o senador. “O Ministério da Economia não é o mais adequado para mexer num programa de assistência social, não tem técnicos qualificados para isso. Pior, nos últimos tempos tenho até duvidado de que tenha técnicos qualificados para trabalhar com economia em si”, concluiu.

Da Redação

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