Singer: cheio de contradições, governo de Bolsonaro tem instabilidade crônica

Cientista político e professor da USP, André Singer, destaca que “os primeiros dias mostraram uma grande fragilidade na capacidade de articulação interna”

Renato Parada

Os primeiros 100 dias de um governo é o período tido como o ‘cartão de visitas’. Ao longo de pouco mais de três meses, a nova gestão delimita a dimensão das promessas feitas em campanha, avança sobre o plano de governo apresentado e monta oficialmente a equipe. Neste sentido, o desgoverno de Jair Bolsonaro (PSL), que chegou a 52 dias nesta quinta-feira (21), assusta qualquer ‘anfitrião’, neste caso o povo brasileiro.

Aos solavancos, Jair e sua equipe tentam por em prática justamente as promessas antipovo e que só acentuam os problemas da sociedade – como a desastrosa reforma da Previdência e o trágico decreto de posse de armas, por exemplo. Como nunca teve um plano de governo factível e claro, Bolsonaro tem o único objetivo de atender os interesses do capital e dos Estados Unidos. A montagem da equipe, por fim, é ainda mais assustadora. Tem Caixa 2 confesso, ex-juiz conivente com casos de corrupção e um número de militares superior aos governos da ditadura.

Acumulando escândalos e trapalhadas, o ‘cartão de visitas’ do desgoverno de Jair só poderia ter uma mensagem: repleto de contradições e dotado de uma instabilidade crônica, conforme aponta o cientista político e professor da Universidade de São Paulo André Singer. “Os primeiros dias [do governo] mostraram uma grande fragilidade na capacidade de articulação interna de Bolsonaro, sobretudo, nesse episódio do ex-ministro Gustavo Bebianno, que indica uma fratura exposta dentro do novo bloco no poder, com a visível ascensão de militares, que agora já ocupam quase todos cargos ministeriais”, avalia.

Ainda segundo o cientista político, os inúmeros escândalos no início do governo, somados à incapacidade de Jair, indicam que a crise política pelo qual o Brasil passa, desde o início do Golpe de 2016, ainda não foi encerrada. “São vários elementos que contribuem para a instabilidade crônica do governo. Não dá a impressão de que o quadro político tenha se estabilizado. Isso não quer dizer que vai haver necessariamente uma precipitação de acontecimentos imediatos, mas por outro lado há a percepção de que não se está estabilizando o quadro político, que é instável desde 2015”, explica Singer.

Democracia ‘manca’ sem Lula Livre

Por conta da instabilidade da política brasileira, o cientista aponta que os próximos quatros anos do desgoverno de Jair tendem a ser imprevisíveis, justamente pelo desconhecimento de um projeto concreto e soberano para o país. Segundo Singer, as eleições de 2018 deixaram a sociedade brasileira ainda mais conturbada. “Tem uma grande dose de imprevisibilidade sobre o que vai acontecer. Esse desconhecimento deriva do fato de que a estrutura partidária brasileira, que foi construída ao longo da redemocratização, foi rompida pela eleição de Jair Bolsonaro”.

“Do ponto de vista democrático, talvez devemos dizer que é uma democracia que está mancando, a partir do momento que você tem o principal líder popular preso, que é o Lula, enquanto outras lideranças estão em condição de disputa. Você produz uma espécie de desequilíbrio artificial das forças políticas, não é um desequilíbrio produzido pela própria vontade dos eleitores, mas sim judicializado”, explica Singer ao lembrar a prisão política do ex-presidente e a candidatura barrada.

Contradições em um governo militarizado

Para o cientista, a presença de muitos militares no primeiro escalão também contribui para as altas doses de imprevisibilidade do desgoverno de Jair. Singer lembra que a participação de generais da reserva em governo não é ilegal, porém, a falta de abertura das Forças Armadas contribui para a insegurança política da sociedade brasileira.

“Do ponto de vista do estado de direitos, estando na reserva, eles podem integrar o governo. Problema não é a legalidade da participação. Mas são elementos  oriundos de uma corporação cuja missão constitucional não prevê participação ativa na política. Então, na realidade, em função da própria natureza da atividade militar, não se conhece as posições políticas dos atuais ministros militares, que estão ganhando projeção”, explica.

Ainda de acordo com o cientista político, o desgoverno de Jair também é marcado pela grande contradição entre discurso e ação, e a própria atuação dos ministros, sem contar a interferência concreta dos filhos de Bolsonaro. “A situação que está colocada vai suscitar cada vez mais contradições. Você tem um ministro da Justiça que resulta de um processo de combate de corrupção, que chegou ao posto em função da sua atuação nesse processo, e agora começam a aparecer casos que envolvem pessoas do próprio governo do qual participa e até aqui não se viu nenhuma iniciativa ou declaração no sentido de que haverá o mesmo tratamento da Lava Jato”, analisa Singer ao comentar a mudança de atuação de o ex-juiz Sérgio Moro.

Para Singer, há ainda a contradição do atual governo ter sido eleito sob argumento do combate a corrupção e já estar atolado em denúncias. “Aparentemente, os três filhos de Bolsonaro são fatores de instabilidade e isso se apresentou logo nos primeiros momentos, até porque o caso Queiroz, que envolve o Flávio [Bolsonaro], vem de antes. E agora teve esse caso relativo ao Gustavo Bebianno, com intervenção direta do Carlos. Então, eles [filhos] serão sim um fator de instabilidade permanente”, finaliza.

Por Erick Julio, da Agência PT de Notícias

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