TCU cobra do Exército explicações sobre revogação de normas

Regras de rastreabilidade de armamentos foram suspensas em abril de 2020, após reclamação de Bolsonaro. MP acusa Flavio de interferência em compra de fuzis

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MP vê ação de Flávio Bolsonaro em compra de fuzis

O Comando do Exército e o Comando Logístico do Exército têm até a próxima segunda-feira (7) para dar explicações ao Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a flexibilização injustificada de normas de controle de armamentos ocorrida em 2020. Em abril daquele ano, foram revogadas três portarias que ditavam regras mais incisivas na identificação e na rastreabilidade de armas e munições, e desde então o órgão de controle vem cobrando justificativas antes de abrir um processo formal contra os servidores militares.

Entre as medidas tomadas, foi excluída a possibilidade de identificação de lotes de munição com 1.000 unidades de projéteis, comprados por forças de segurança, mantendo a exigência apenas para lotes de 10.000 unidades. Também foi suspensa a exigência de marcação com código de rastreabilidade dos estojos de recarga para os CACs (colecionadores, atiradores esportivos e caçadores).

As medidas foram tomadas após Jair Bolsonaro postar em uma rede social que não concordava com a fiscalização e que mandaria cancelá-la. Após receber informações contraditórias sobre a alteração nas regras, o TCU quer multar os generais Paulo Roberto de Oliveira e Laerte de Souza Santos, subcomandante e comandante Logístico do Exército, por concederem versões conflitantes sobre a revogação.

Relatório de monitoramento assinado por Ivan Botovchenco Sobestiansky, da Secretaria de Controle Externo da Defesa Nacional e da Segurança Pública, afirma que houve pelo menos duas histórias diferentes. No mesmo processo de instrução, o TCU questiona o Exército sobre o motivo da demora na edição das novas portarias.

O país ficou sem regras de marcação de armas e munição por 17 meses, entre abril de 2020 e setembro de 2021, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) avaliou as medidas. O relator, ministro Alexandre de Moraes, sustou liminarmente a revogação.

Na véspera do julgamento, o Exército baixou três portarias que substituiriam as extintas em 2020, mas o ministro afirmou não ver justificativas para a mudança legal. A sobreposição de decisões criou um vácuo normativo sobre quais são efetivamente as regras que devem ser seguidas para a marcação de armas e de munição.

Mesmo com a decisão do STF, avalia o TCU, a conduta deve ser investigada e punida, se comprovada ilegalidade. “Caso não haja lastro comprobatório para as informações repassadas ao TCU, os atos podem caracterizar tentativa de obstrução ao exercício das atividades fiscalizatórias exercidas por esta Corte ou sonegação de informação, sujeitando os responsáveis a aplicação de multa”, afirmou o ministro André de Carvalho.

Munição pode ser desviada por criminosos

Amicus curie no processo que tramita no TCU e no STF, o advogado Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz, diz que, na prática, o Exército atendeu à vontade de Bolsonaro, de afrouxar controles sobre armas, por quase dois anos. Entidades como o Sou da Paz e até integrantes das forças de segurança, como a Polícia Federal, temem que a munição acabe desviada para o uso do crime organizado.

As portarias que foram revogadas começaram a ser discutidas em 2018, após o assassinato da vereadora Marielle Franco. A investigação sobre a morte dela descobriu que os projéteis usados para matá-la e o motorista Anderson Gomes pertenciam a um lote de balas para pistola 9 mm vendidas à Polícia Federal, em dezembro de 2006.

O lote registrado pelo Exército tinha quase 2 milhões de projéteis, muito acima das regras fixadas pelos próprios militares, de marcar cada lote com o limite de 10 mil unidades. Balas do mesmo lote foram encontradas em outros crimes, como um assalto a uma agência dos Correios na Paraíba em 2018, registrou o TCU.

A Polícia Federal afirma que “caberia no mínimo um processo administrativo sancionatório contra a empresa pelo descumprimento da norma”, referindo-se à Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), que é fiscalizada pelo Exército. Na época da morte de Marielle, o Exército afirmou que iria investigar como um lote tão fora do padrão foi expedido, mas nada foi feito até agora.

Na semana passada, uma nova perícia da Polícia Federal concluiu que Ronnie Lessa, acusado de matar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes, importou artefatos que eram de uso controlado pelo Exército. Ele e a mulher, Elaine Lessa, respondem a processo por tráfico internacional de armas, acessórios e munição.

MP vê ação de Flávio Bolsonaro em compra de fuzis

Enquanto desmonta os marcos regulatórios de controle de armamentos construídos ao longo do Governo Lula, o clã Bolsonaro aproveita para fazer negócios – nem sempre lícitos.

Nesta segunda-feira (31), o subprocurador do Ministério Público que atua no TCU Lucas Rocha Furtado afirmou ao portal UOL que houve “atuação direta do senador armamentista Flávio Bolsonaro (PL-RJ)” na liberação de verbas federais para a compra de 500 fuzis da gigante bélica Sig Sauer pela Polícia Civil do Rio de Janeiro.

As afirmações estão em um pedido de investigação feito pelo procurador à presidenta do TCU, ministra Ana Arraes. O procurador quer que sejam investigadas tanto a licitação quanto eventuais irregularidades na liberação dos recursos do Ministério da Justiça intermediada pelo senador. Lucas Furtado solicita que, caso os indícios sejam confirmados, a licitação e a compra das armas sejam anuladas.

A Sig Sauer venceu o pregão em julho com a oferta de R$ 3.810.442,05 (2% abaixo do teto estipulado). No entanto, a compra só foi concretizada cinco meses depois, quando Flávio conseguiu a liberação de R$ 3 milhões com a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), principal estrutura do Ministério da Justiça.

A brasileira Taurus e as turcas Kalekalip e MKEK viram algumas exigências do edital como formas de restringir a concorrência e também levantaram suspeitas de direcionamento. Especialistas ouvidos pelo UOL dizem que a licitação é “viciada” e deve ser anulada.

O portal apurou que um dos três policiais que elaboraram toda a parte técnica da licitação trabalha para a Sig Sauer. Inspetor da Polícia Civil, Manoel Hermida Lage atua como instrutor do campo de tiros da fabricante no Brasil. A empresa é acusada de usar suas instalações como forma de recrutar policiais em posições estratégicas em vários estados para obter editais com especificações técnicas que a favoreçam.

Fontes ouvidas pelo UOL afirmam que essa prática é adotada de maneira sistemática por Marcelo Costa, que está à frente da Sig Sauer no Brasil. Elas dizem ainda que Costa usa os nomes de Flávio e Eduardo Bolsonaro para abrir portas em órgãos públicos.

A Sig Sauer já recebeu uma série de manifestações de apoio da família Bolsonaro para seus negócios no Brasil. No mercado de materiais bélicos, é corrente o discurso de que o clã presidencial defende os interesses da empresa.

Foi Eduardo quem defendeu que a Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel), estatal vinculada ao Exército, firmasse parceria para produzir em suas fábricas pistolas da Sig Sauer. Em suas redes sociais, o “filho 03” ironizou o fato de ser chamado de lobista da empresa e negou ser patrocinado por ela.

Em nota, Flávio Bolsonaro disse que não tinha conhecimento de suspeitas de irregularidades e defendeu apurações sobre o caso. Marcelo Costa não prestou esclarecimentos. A Polícia Civil do Rio negou que haja irregularidade na licitação e falou que a atuação do policial está de acordo com as regras. Já o Ministério da Justiça disse que a liberação do dinheiro ocorreu após a pasta analisar a compra dos fuzis em linha com as normas de transferência de recursos da União.

Da Redação

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