Juros: a chantagem do capital financeiro para saquear a economia popular
Taxa de juros de 13,75% funciona como instrumento de submissão do Estado ao teto de gastos, que asfixia investimentos sociais enquanto transfere bilhões ao rentismo, em nome da “responsabilidade fiscal”. Entenda
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O Brasil não tem inflação na casa dos dois dígitos como no ano passado e mantém o índice, que não é de demanda, abaixo de 6%. Tampouco possui dívida externa em dólar, registrando uma dívida pública de pouco mais de 70% do PIB. Muito abaixo, portanto, de economias como os EUA. O que explica então a decisão do Banco Central de impedir o crescimento do país com a maior taxa de juros real do mundo, em torno de 8%? É simples: o sistema financeiro atua para chantagear o governo, submetendo a política econômica à lógica do teto de gastos e sua captura do orçamento público para irrigar o rentismo. E para isso continuar ocorrendo, a taxa de juros não pode cair.
Foi para isso que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ganhou “autonomia” à frente da instituição: para manter o Estado aprisionado nas “quatro linhas” do sistema financeiro, que retira, habilmente, todos os anos, bilhões de reais em recursos que poderiam ser aplicados na infraestrutra do país – para gerar empregos – e nas áreas de saúde e educação. Tudo em nome da “responsabilidade fiscal”.
Daí a criação do teto de gastos no governo do usurpador Temer e prontamente mantido por Bolsonaro. O resultado são 33 milhões de famintos, gente esquecida pela “responsabilidade social” do Banco Central de Campos Neto.
A Emenda Constitucional nº 95 foi proposta por Michel Temer e aprovada no Congresso Nacional em 15 de dezembro de 2016. Com ela, foi alterada a previsão de gastos do orçamento federal com as despesas primárias. Foi estabelecido então um “teto” para os gastos do governo, que só poderiam ser iguais ao ano anterior, acrescidos da inflação. Isso durante 20 anos.
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Qual o problema? O teto desconsidera aumento da demanda por serviços e benefícios, crescimento populacional, transição demográfica, entre outras variáveis típicas de um país com as dimensões do Brasil. Ao amarrar a atuação do Estado, o mecanismo provoca impactos devastadores ao tecido social brasileiro, que fica, na prática, abandonado à própria sorte. Afinal, o Estado perdeu sua capacidade de suprir as necessidades mais básicas da população.
“Como a população cresce e o PIB real cresce também, o gasto per capita e como percentagem do PIB vai cair ao longo do tempo”, explicou o economista Paulo Nogueira Batista Jr, em entrevista à Focus Brasil, durante a campanha presidencial. “Esse teto não é só uma regra de disciplina fiscal, tem o objetivo de diminuir o tamanho do Estado”, definiu Nogueira.
O pulo do gato do capital financeiro
Aí entra o pulo do gato do capital financeiro, o golpe de misericórdia no Brasil, responsável pelo aumento da miséria que varreu o país nos últimos seis anos. Como o teto de gastos foi pensado para limitar apenas as despesas primárias, ele não afeta, por exemplo, os juros da dívida pública.
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Ou seja, o dinheiro que sobra no orçamento e que não pode ser gasto com saúde e educação, por exemplo, vai diretamente para aqueles que detém esses títulos. Quem são? Bancos e investidores do mercado financeiro.
Para se ter uma ideia do que isso significa, apenas na área da saúde, o teto de gastos manejou a retirada do Sistema Único de Saúde (SUS) de R$ 36,9 bilhões em recursos entre 2018 e 2022, de acordo com cálculos dos economistas Bruno Moretti, Carlos Ocké-Reis, Francisco Funcia e Rodrigo Benevides. Para onde o leitor acha que foi esse dinheiro?
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Desumanidade do sistema financeiro
A desumanidade do sistema financeiro é tão grande que o Brasil tornou-se o único país do planeta a submeter a própria população a um sistema com esse nível de perversidade. “Essa regra do teto não tem precedentes”, declarou Nogueira. “Não tenho conhecimento de nenhum país que adote uma regra desse tipo”.
“O teto de gastos limita artificialmente a ação do Estado, impedindo a execução de recursos, ainda que haja receitas disponíveis para financiá-la, confirmam os quatro economistas, no artigo ‘Sangrando o SUS’, publicado na Revista Focus. “Quando os gastos não são realizados, o recurso se converte em superávit financeiro e pode ser desvinculado de suas finalidades, sendo canalizado para a amortização da dívida pública”.
Atualmente, metade de todo o orçamento brasileiro é utilizado para pagar juros da dívida pública, como mostra o gráfico da Auditoria Cidadã da Dívida. 53,6% entre instituições financeiras e fundos de investimentos abocanham esses recursos, segundo o próprio Banco Central.
Brasil, campeão mundial dos juros
Assim, o Brasil caminha para manter, no limite do insuportável, a maior taxa de juros real do mundo (veja no gráfico), à frente do México, que tem taxa altíssima.
“As taxas de juros reais altas interessam a quem tem dinheiro porque é muito mais fácil deixá-lo no banco rendendo estes juros reais altos do que ‘arriscar’, investindo na compra de máquinas ou adquirindo crédito para compras para investimento produtivo, que é o que gera emprego e renda”, afirmou o técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Leandro Horie, à CUT. “Investir nesse cenário se torna mais caro e o retorno é incerto”.
Explicando o inexplicável
Tudo isso explica como o Banco Central não soube se explicar no documento apresentado pelo Comitê de Política Monetária (Copom), na quarta-feira (22), com argumentos para manter os juros altos.
“O Comitê ressalta que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma maior persistência das pressões inflacionárias globais; (ii) a incerteza sobre o arcabouço fiscal e seus impactos sobre as expectativas para a trajetória da dívida pública”, diz um trecho da nota.
“Trata-se de um comunicado fraco, ruim, o que é apenas parcialmente justificado pelas dificuldades do momento”, escreveu a economista Monica de Bolle, após a divulgação da Selic. “O cuidado com a comunicação é de extrema importância na condução da política monetária”.
Sinalização aos aliados do sistema financeiro
A comunicação aqui parece ser o que menos importa ao Banco Central, a não ser a sinalização aos aliados do sistema financeiro de que Campos Neto está se lixando para a falta de investimentos, a ausência de crédito, o desemprego e a fome no Brasil, indicadores todos resultantes da atual taxa Selic.
“O discurso oficial em sua defesa [juros na estratosfera] não encontra nenhuma justificativa, seja no cenário internacional ou na teoria econômica e o debate precisa ser arejado pela experiência internacional”, alertou um grupo de economistas do qual a própria de Bolle faz parte, em manifesto por juros mais baixos divulgado no mês passado.
“A razoabilidade da taxa de juros é uma condição indispensável para a normalidade econômica. Sem isso, os investimentos perderão para as aplicações financeiras e as remunerações do trabalho e da produção vão perder para a especulação”, alertaram os economistas.
Da Redação