A crise do coronavírus vai passar, mas e a crise da violência? 

Artigo de Nádia Garcia

Igor Carvalho/Brasil de Fato

Nádia Garcia*

O isolamento social evidenciou diversos tipos de violência social que existem no Brasil. Desde o início da quarentena, as manchetes dos jornais estampam que os números de violência doméstica e maus tratos contra mulheres e idosos aumentaram. Além do risco de contaminação e de todo o desgaste do processo de se manter permanentemente em casa, a violência e o medo rondam os lares brasileiros.

Mas outro tipo de violência fez a rotina social do país mudar: com a população em casa, na busca de segurança contra o coronavírus, gravações de espancamentos e abusos por parte da Polícia Militar começaram a ser postados em grande número nas redes sociais, além de desaparecimentos e mortes com suspeitas de participação da PM serem registradas com mais frequência em bairros periféricos. Segundo dados publicados no Diário Oficial do estado de São Paulo, o número de “mortes decorrentes de intervenção policial” subiu 54,6% em abril. Foram 116 mortos por policiais em serviço ou durante folga, o que daria uma morte a cada 6 horas.

Essas mortes e agressões são, em maioria, contra garotos jovens, negros e periféricos. Filhos de mães pretas que têm suas vidas interrompidas pelo Estado de forma arbitrária. Marisa Feffermann, uma das articuladoras da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, que reúne suspeitas de execuções e agressões por parte da PM, disse em entrevista ao site Terra: “Várias denúncias são de jovens que estão apanhando sem razão, recebem socos no rosto, têm o nariz quebrado. A morte é a última etapa da escalada”.

A realidade das mães pretas da periferia gira em torno do medo constante e da incerteza de que seus filhos voltarão vivos ao final do dia. Cada vez que um filho preto é morto pelas mãos daqueles que deveriam protegê-los e tornar a vida na comunidade mais tranquila, o sistema racista que envolve todo esse processo se fortalece.

O genocídio contra a população negra não cessa em tempos de crise sanitária: morremos nos hospitais por falta de acesso a uma saúde pública de qualidade, nas ruas por falta de uma política de proteção à população em situação de rua, nas casas pela violência doméstica e pelas armas e punhos da polícia.

A quarentena é um período difícil para todos, mas aqueles e aquelas que se encontram à margem da sociedade e dos cuidados do poder público tem sofrido as consequências mais duras da desigualdade e da desestabilização social que o COVID-19 apresenta ao país. É preciso um olhar de empatia aos jovens negros e uma reeducação daqueles que conhecemos como braço forte do Estado.

A crise do coronavírus vai passar, mas e a crise da violência? E o vírus do racismo que percorre nossas veias desde 1500? O medo que as mães e avós pretas sentem pelos filhos e netos todos os dias de sua vida? A luta pelo direito de viver e pela segurança de andar livremente pelas ruas deve ser uma luta de todos e todas nós.

Queremos manchetes de jornal contando como nossos jovens negros estão se formando, encontrando trabalho e fazendo a luta do povo nas ruas e avenidas. Queremos evidenciadas nossas vitórias, nossos ganhos e feitos. Queremos viver muito e ver nosso filhos e netos viverem muito. A luta antirracista deve ser prioridade, só assim teremos uma sociedade livre e justa.

Vidas negras importam, parem de matar nossos jovens!

 

*Nádia Garcia faz parte da coordenação do projeto Elas Por Elas. É diretora LGBT e de Combate ao Racismo da Juventude do PT

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