Crise de fertilizantes ameaça produção nacional de alimentos

Desmonte da Petrobras e má gestão de Bolsonaro tornaram o país dependente de importações. Preços disparam e agronegócio adia compras da próxima safra. Pequenos produtores também sofrem

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Bolsonaro ameaça produção agrícola nacional

Enquanto a maioria dos governos mantêm um gabinete de crise para contornar as eventualidades, o desgoverno Bolsonaro se especializou em criar dificuldades para o Brasil. A próxima deve ser a crise dos fertilizantes. Resultante do conflito Rússia/Ucrânia, grandes fornecedores de insumos agrícolas, e do desmonte da Petrobras, cuja gestão bolsonarista entregou plantas de fabricação de adubos a interesses privados, ela vai agravar a já insuportável carestia de alimentos no país.

O primeiro impacto, ainda nesta quinta-feira (24), foi o adiamento maciço das encomendas de fertilizantes para a safra 22-23 pelo agronegócio. “Já vinham ocorrendo menos negócios (no país) nos últimos dois dias, o pessoal vinha retirando listas de preços. Hoje, muitos clientes estão nos procurando para orientações”, conta Marcelo Mello, diretor de fertilizantes da consultoria americana StoneX, à BBC Brasil.

Segundo ele, os preços dos derivativos (futuros dos adubos listados em bolsas) refletem diretamente o conflito. A referência de cotações da ureia em Chicago, por exemplo, subiu 45%, ou US$ 250 por tonelada, no intervalo de uma semana. No Brasil, o nutriente, que saía a US$ 545 por tonelada na semana passada, chegou a US$ 800 nesta quinta.

“A gente já viu uma elevação no preço do petróleo simplesmente pela tropa estar mais próxima da fronteira entre Rússia e Ucrânia, então a gente pode imaginar que, sim, qualquer escalação do conflito por lá deve elevar os preços dos fertilizantes”, comenta o analista sênior para o Mercado de Insumos do Rabobank Brasil, Bruno Fonseca.

“Muitos produtores não fecharam a compra de fertilizantes diante da queda projetada nos preços dos insumos a partir do segundo trimestre. Agora, precisamos rever as estratégias, é algo que pode mexer com o abastecimento brasileiro”, disse Bruno Lucchi, diretor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), ao Valor.

Lideranças da bancada ruralista demonstraram preocupação especialmente com o cloreto de potássio. “É o principal insumo para a nossa produção, que já está em falta. Já está absurdo de caro. Estava em US$ 320 e hoje já passou de US$ 850 a tonelada. Vai ter impacto direto no custo de produção. É um desastre”, afirmou Neri Geller (PP-MT), ex-ministro da Agricultura.

“O Brasil é dependente, assim como o mundo todo. Isso vai refletir em mais inflação”, conclui Sérgio Souza, presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). “A Rússia é o grande player de fertilizantes do mundo. É algo que nos preocupa. O Brasil aprendeu a fazer agricultura tropical, tem solos muito pobres e precisa colocar alimento para a planta, senão ela não produz. E o potássio é o mineral mais utilizado.”

“Agricultura familiar será a mais afetada”, prevê pesquisador da Embrapa

Ameaçada por sanções econômicas e comerciais, a Rússia é uma das maiores produtoras de fertilizantes do mundo, junto com China, Marrocos e Belarus. Com o Brasil, as relações comerciais estão majoritariamente concentradas na compra de fertilizantes. O país respondeu por 30,1% dos adubos e fertilizantes que entraram em território nacional em janeiro, segundo o Ministério da Economia. No ano passado, foram 23,3%.

Dos US$ 5,7 bilhões em importações brasileiras da Rússia em 2021, US$ 3,5 bilhões, ou 62%, estão relacionados à compra do insumo. Resultado 97% superior ao registrado em 2020, quando o Brasil desembolsou US$ 1,75 bilhão na importação desses produtos.

Neste ano, a tendência até agora era de maior volume de negócios. O Brasil gastou US$ 530 milhões em janeiro com importações de produtos russos, dos quais US$ 345 milhões, ou 65%, tiveram como destino a compra de fertilizantes.

Entre os produtos à base de potássio, a Rússia é responsável por 20% da produção global e origem de 28% das importações brasileiras. Também é o segundo maior produtor global dos nitrogenados e, no caso do Brasil, participa com 21%. No caso do nitrato de amônio, o país é praticamente o único fornecedor para o Brasil.

Em outubro do ano passado, a Rússia impôs limites para a exportação de fertilizantes fosfatados e nitrogenados, levando ao aumento instantâneo de preços no Brasil. O país, que também é o principal fornecedor de gás natural para a Europa, ameaça suspender a venda do produto para o continente em represália às sanções internacionais, o que iria gerar consequências negativas na produção de fertilizantes em outros países.

Pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Solos, José Carlos Polidoro afirma que a agricultura familiar será a mais prejudicada pela crise. Segundo ele, a produção de alimentos como hortaliças, arroz e feijão será diretamente afetada, com aumento dos custos e, consequentemente, dos preços ao consumidor.

“O produtor vai ter duas alternativas: continuar usando fertilizantes, principalmente nas hortaliças, e vender mais caro. Ou diminuir a produtividade. Mas aí teremos também um aumento de preços porque vai faltar alimento, por diminuição da oferta. O risco para o abastecimento interno e a pressão sobre a cesta básica são o que mais nos preocupa.”

Bolsonaro fechou fábricas de adubo e tornou Brasil dependente

O Brasil importa mais de 80% dos fertilizantes utilizados na produção agrícola. No caso dos insumos com potássio, o percentual chega a 96%. A dependência dos importados aumentou a partir da política de “desinvestimentos” adotada pela Petrobras ainda sob Michel Temer, e foi acelerada por Jair Bolsonaro.

Vulnerabilizado, o Brasil gastou com importações de adubos e fertilizantes químicos em 2021 praticamente o dobro do ano anterior. Para a Federação Única de Petroleiros (FUP), esse desequilíbrio tem uma explicação: o fechamento das fábricas de fertilizantes da Petrobras pelo desgoverno Bolsonaro.

Ele fechou a Fafen (Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados) no Paraná, não concluiu a fábrica do Mato Grosso do Sul e paralisou atividades em outras duas fábricas, uma em Sergipe e outra na Bahia, para depois arrendá-las”, acusou o petroquímico Gerson Castellano, diretor de Relações Internacionais e Setor Privado da FUP, no Portal da CUT.

Em fevereiro de 2020, numa canetada, Bolsonaro fechou a Fafen, unidade responsável pela produção de 30% do mercado brasileiro de ureia e amônia e 65% do Agente Redutor Líquido Automotivo (ARLA 32). O fim das atividades jogou mais de mil trabalhadores na rua. Agora, a Petrobras tenta vender as instalações da fábrica.

A empresa anunciou no início deste mês a venda da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados (UFN3), em Três Lagoas (MS), ao grupo russo Acron, com cerca de 80% das obras concluídas. Bolsonaro comemorou, mas os compradores russos têm mais razões para festejar.

Para Marcelo Mello, diretor de fertilizantes da StoneX, a UFN3 é a “joia da coroa” da Petrobras, pela alta capacidade de produção. “É uma tecnologia nova. Para fazer amônia tem que estar muito perto da matéria-prima, que é o gás natural. E ela está em cima do gasoduto Brasil-Bolívia, o que significa zero frete“, explicou no Poder360.

A construção da UFN3 começou em setembro de 2011, mas foi interrompida em dezembro de 2014. Se concluída, a fábrica terá capacidade projetada de produção de 3.600 toneladas de ureia e de 2.200 toneladas de amônia por dia.

“A gente já alertava sobre isso lá atrás. Em 2020, quando Bolsonaro fechou a Fafen, alertamos que a falta de estratégia do governo colocaria o país em uma situação de dependência total dos insumos”, apontou Castellano.

O dirigente da FUP lembrou que, mesmo com as fábricas em funcionamento, o Brasil ainda importava 50% dos fertilizantes usados no campo. O fato deveria justificar a abertura de mais fábricas – afinal, o país é o segundo maior exportador de alimentos do mundo – e não o fechamento das existentes.

“Estamos ficando dependentes de outros derivados também”, alertou Castellano. “Bolsonaro não tem nenhuma condição de assumir um governo. Eles estão perdidos e não têm planejamento estratégico, seja para fertilizantes, seja para o refino de outros derivados, seja para qualquer coisa. Eles não sabem o que estão fazendo no comando do país.”

Da Redação, com agências

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