Especial: Culpado pelos preços, Bolsonaro fala em entregar a Petrobras

Incapaz de modificar a política tarifária da empresa, para não melindrar o “mercado”, ele tira da cartola a privatização, como se já não estivesse dilapidando a estatal

Na ofensiva para se esquivar da responsabilidade por manter a dolarização dos preços de combustíveis adotada por Michel Temer, Jair Bolsonaro apelou para a privatização da Petrobras como solução “cortina de fumaça” da carestia nos postos. Replicada pelo primeiro escalão, a ideia tenta camuflar o fato de que a política de preço de paridade internacional (PPI), em si, já representa a apropriação de uma empresa pública por interesses privados, que distorce seu propósito social e a transforma em uma “máquina de dividendos”, transferindo lucros para acionistas às custas da população.

“Eu já tenho vontade de privatizar. Vou ver com a equipe econômica o que a gente pode fazer”, afirmou Bolsonaro a uma emissora de rádio pernambucana na quinta-feira (14) pela manhã, culpando ainda o ICMS. Na mesma hora, mas em Brasília, o vice-presidente Hamilton Mourão, para quem o chefe chegou a dizer que iria “passar a Petrobras”, defendeu a jornalistas no Planalto “colocar a empresa no mercado”, para “romper essa estrutura de monopólio que prejudica o país”, enquanto também alvejava o ICMS.

Já o ministro-banqueiro Paulo Guedes pregou a venda de ações da Petrobras para “transferir riquezas para os mais pobres”. “Que tal se eu vender um pouco das ações e der para eles esses recursos?”, sugeriu em entrevista coletiva em Washington na véspera, como se não fosse responsável direto pela decadência econômica do país.

“Guedes tira da cartola mais uma solução genial, vender ações da Petrobras pra bancar programas sociais. É assim que vai ser, vamos sair vendendo tudo, até o controle da maior estatal brasileira? Por que não taxar os super-ricos? Não, o lance dessa turma é poupar o andar de cima”, respondeu a presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, no Twitter.

Em outra postagem, a deputada federal paranaense desvendou a manobra. “Bolsonaro não tem a menor ideia do que está falando, privatizar a Petrobras não é saída para o preço dos combustíveis. Empresa privada não abre mão de lucro. A solução é não dolarizar. Quer fugir da responsabilidade e entregar de mão beijada nossa maior estatal”, concluiu.

Na votação do projeto de lei complementar (PLP 11/20)que determina que a cobrança do ICMS terá um valor fixo para combustíveis, quarta-feira (14), a bancada petista na Câmara defendeu um destaque que encerraria a dolarização dos preços da Petrobras. A proposta, rejeitada pelos governistas, determinava que a empresa calculasse os preços de derivados do petróleo conforme os custos de produção em moeda nacional.

O PLP 11 foi patrocinado como solução para reduzir o preço dos combustíveis pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. Em apoio a Bolsonaro, foi outro a perguntar se “não seria o caso de privatizar a Petrobras?“, que atuaria hoje num “limbo entre o público e o privado” e exerceria um “monopólio absurdo” no mercado de gás.

Governador do Piauí e presidente do Consórcio Nordeste, Wellington Dias (PT) rechaçou a proposta de Lira. “É claro que se nós governadores soubéssemos que essa proposta da Câmara resolveria a situação do combustível, até aceitaríamos esse sacrifício. Mas sejamos sinceros, é uma enganação. E muita gente boa entrou na onda“, criticou.

“O presidente da República quer reforçar a tese absurda de que o combustível está alto por culpa dos governadores. Só no governo do Bolsocaro, pela nova política de preços da Petrobras, o gás de cozinha subiu 73% e a gasolina aumentou 57%, enquanto o ICMS não mudou”, acrescentou Jean Paul Prates (PT-RN), líder da Minoria no Senado.

Dolarização faz parte do desmonte da Petrobras

Adotado em outubro de 2016 pelo então presidente Pedro Parente, nomeado por Temer, o preço de paridade de importação (PPI) é uma das bases do tripé da dilapidação da Petrobras. A ele se somam as políticas de desinvestimento, que reduz a capacidade produtiva de refinarias e outras unidades, e de venda de ativos, a privatização em etapas que vem entregando os setores de refino, distribuição e transporte de óleo e gás.

Desde 2014, quando a Petrobras se tornou pivô do lawfare movido pela lava jato contra os governos petistas, os investimentos da empresa, que chegaram a US$ 48,1 bilhões em 2013, foram caindo sucessivamente nos anos seguintes, para US$ 37 bilhões, US$ 23 bilhões, US$ 15,8 bilhões, US$ 15,1 bilhões e US$ 12,6 bilhões.

O investimento anual médio da Petrobras, que entre 1965 e 2020 é de US$ 20,13 bilhões, havia chegado a US$ 49,80 bilhões entre 2009 e 2014. Do mesmo modo, os empregos na empresa saíram de 86,1 mil, em 2013, para 57,9 mil, em 2019.

Em janeiro de 2019, Bolsonaro nomeou Roberto Castello Branco para a presidência da petrolífera. Logo que assumiu, ele mostrou a que veio: “Meu sonho sempre foi privatizar a Petrobras”. Os investimentos caíram ainda mais naquele ano, para US$ 10,7 bilhões, a companhia registrou a menor geração operacional de caixa em dez anos e encerrou o balanço com capital de giro negativo.

“A maior empresa nacional, que gerava emprego e renda para o povo brasileiro, se transformou em geradora de dividendos para acionistas. É o resultado do golpe de 2016”, reflete Deyvid Bacelar, coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP. “Nós sempre alertamos que esse seria o projeto para a Petrobras pós-golpe, projeto que está sendo consolidado agora por um governo fascista. Estão seguindo o acordo de Guedes com os acionistas de Nova Iorque.”

Em fevereiro deste ano, Castello Branco foi ejetado da cadeira e substituído pelo general Joaquim Silva e Luna. A disparada dos preços de gás e combustíveis derrubou a popularidade de Bolsonaro e custou a cabeça do economista indicado por Paulo Guedes. Mas a dolarização e a dilapidação do Sistema Petrobras se mantêm.

Na outra ponta do tripé da dilapidação, entre janeiro de 2019 e julho de 2020, a Petrobras abriu 48 processos de vendas de ativos, uma média de 2,5 por mês. Quase o dobro dos 1,4 por mês abertos durante o governo ilegítimo de Michel Temer e oito vezes os 0,4 por mês verificados na segunda gestão Dilma Rousseff. A estimativa é do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese).

“Reposicionamento” não passa de “fatiamento” entreguista

O chamado “reposicionamento” da Petrobras, que cada vez mais abandona negócios considerados “não prioritários” e foca na mera extração de óleo e gás do pré-sal, ganhou respaldo legal do Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado.

A Corte negou liminar ao Congresso para suspender o processo de criação de subsidiárias para venda de refinarias incluídas no programa de privatização do desgoverno Bolsonaro. Estava aberta a porteira para a entrega de oito das 13 refinarias da Petrobras, que representam 47% de sua atual capacidade de refino.

A primeira a ser leiloada foi justamente a primeira refinaria construída no Brasil, a Landulpho Alves (RLAM), fundada há 71 anos no município baiano de São Francisco do Conde. Arrematada em março por R$ 9,33 bilhões pelo fundo saudita Mubadala Capital, a segunda maior refinaria do país (330 mil barris por dia)será controlada pela Acelen.

Da mesma forma, na churrascaria rodízio do rentismo tupiniquim – a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) – o mês de junho se encerrou com picanha gourmet: os 37,5% de ações da BR Distribuidora que ainda pertenciam à população. O fatiamento de outra subsidiária da Petrobras (PETR3, PETR4, para os “traders”) foi uma das maiores operações secundárias (venda de ações existentes) já realizadas no Brasil.

A Petrobras esperava arrecadar R$ 11,5 bilhões com a oferta das 436.875.000 ações ordinárias da companhia (BRDT3), mas movimentou R$ 11,35 bilhões, oferecendo por R$ 26 papéis que já terminaram o dia em alta de 1,44%, a R$ 26,68. Na véspera da “farra do boi rentista”, o CreditSuisse havia elevado o preço-alvo das ações de R$ 32 para 39.

Considerada a marca mais popular de postos de combustíveis entre os brasileiros (73,2% de menções) por um estudo da empresa de pesquisa de satisfação e NPS (Net Promoter Score) SoluCX, os mais de 8 mil pontos de venda da BR pelo Brasil seguirão usando o nome Postos Petrobras e continuarão vendendo as marcas GRID e Podium, ainda de propriedade da estatal. Mas a controladora dos estabelecimentos agora é a Vibra.

“O sistema de marcas que abrange os Postos Petrobras, a loja BR Mania e os combustíveis é algo reconhecido, de valor e muito próximo ao consumidor. Nós não temos nenhum interesse em mudar a marca, pois entendemos que ela é reconhecida”, disse no início de outubro Wilson Ferreira Júnior, presidente da Vibra, que promoverá apenas uma “mudança de imagem” nos estabelecimentos.

Em sua versão mais recente, de agosto, o Privatômetro do Observatório Social da Petrobras contabilizou a venda de R$ 231,5 bilhões em ativos da empresa entre janeiro de 2015 e julho de 2021, em reais de junho de 2021.

Além da RLAM e da BR Distribuidora, também foram entregues neste ano a Gaspetro (R$ 1,98 bilhão), os 10% restantes da participação da estatal na NTS e a venda do Polo Alagoas (R$ 1,5 bilhão), totalizando R$ 26,86 bilhões. O levantamento revela que, agora, 43% dos donos da BR são estrangeiros.

Em termos setoriais, a maior privatização em 2021 foi em Distribuição/Revenda (BR e Gaspetro), com R$ 13,34 bilhões, seguida de Refino (RLAM), com R$ 9,33 bilhões, e Exploração e Produção (E&P), com venda de 4 campos/polos por R$ 2 bilhões.

“Máquina de dividendos” de Guedes

Esses ativos dessa empresa, que é patrimônio público brasileiro, estão sendo vendidos a preço de banana, a preço vil, na bacia das almas, principalmente para o capital financeiro internacional”, acusa o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar. “São grandes fundos de investimento, grandes bancos e também petrolíferas nacionais que querem nossos ativos a preço baixo, como estão fazendo agora no governo Bolsonaro”, afirmou ao jornal baiano A Tarde.

No fim de 2019, a Petrobras aprovou uma política que amplia os valores distribuídos aos acionistas quando a dívida estiver abaixo de US$ 60 bilhões. Além do mínimo previsto em lei, de 25% do lucro líquido, a nova política previa distribuir ainda 60% da diferença entre o fluxo de caixa operacional e os investimentos. Com isso, analistas do BTG Pactual, o banco fundado por Paulo Guedes, esperavam que a Petrobras se tornasse uma “máquina de dividendos”.

No segundo trimestre deste ano, após registrar lucro líquido de R$ 42,855 bilhões, a Petrobras anunciou que iria antecipar pagamento de R$ 31,6 bilhões para os acionistas, na maior distribuição de dividendos já feita pela empresa. Os acionistas privados, 40,6% deles estrangeiros, não pagam impostos no Brasil sobre os dividendos.

“A maior empresa nacional, que gerava emprego e renda para o povo brasileiro, se transformou em geradora de dividendos para acionistas. É o resultado do golpe de 2016”, reflete Deyvid Bacelar. “Nós sempre alertamos que esse seria o projeto para a Petrobras pós-golpe, projeto que está sendo consolidado agora por um governo fascista. Estão seguindo o acordo de Guedes com os acionistas de Nova Iorque.”

Durante a campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro considerou um absurdo o preço do gás de cozinha e prometeu reduzir o valor do produto. A promessa foi reforçada em abril de 2019 por Guedes: “Daqui a dois anos, o botijão vai chegar pela metade do preço na casa do brasileiro. Vamos quebrar os monopólios e baixar o preço do gás e do petróleo”.

O que realmente ocorreu: a Liquigás foi vendida para um consórcio formado pela Copagaz, Itaúsa e Nacional Gás por R$ 4 bilhões, em dezembro do ano passado, como parte do processo de desmantelamento do Sistema Petrobras – e neste ano a Gaspetro. Os consumidores brasileiros ainda esperam o botijão “pela metade do preço”, mas a “máquina de dividendos” continua a pleno vapor.

Da Redação

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