Estado forte é o único modo de sair da crise, dizem analistas

Banco Mundial defende ampliação de programas de proteção e assistência social nos países ricos e em desenvolvimento. Japão libera estímulo recorde  de 1,1 trilhão de dólares. Espanha irá propor à União Europeia criação de fundo de 1,5 trilhão de euros

O Banco Mundial alerta: a crise provocada pela pandemia do coronavírus irá empurrar mais de 50 milhões de pessoas para a extrema pobreza. Só no Brasil, serão mais de 5,7 milhões a cruzar a linha da miséria. “Definitivamente há um retrocesso em termos de combate à pobreza, com perdas dos avanços dos últimos anos”, reconheceu o presidente do banco, David Malpass, em entrevista a um canal de tv americano, na segunda-feira (20). Os desdobramentos da crise acenderam o sinal vermelho de alerta no Japão, que anunciou um pacote recorde de 1,1 trilhão de dólares de estímulo e acelerar o pagamentos em dinheiro à população. Já a Espanha irá propor à União Europeia a criação de um fundo de 1,5 trilhão de euros para ajudar na recuperação dos países mais atingidos. 

Malpass admitiu que o pacote de 160 bilhões de dólares oferecido pelo Banco Mundial a 25 países em desenvolvimento – 100 até o fim do mês, promete a instituição – será “claramente insuficiente” para frear os impactos da crise no mundo emergente. O banco reforça a adoção urgente de políticas em diversas frentes para apoiar os mais vulneráveis e proteger empregos. Diante do avanço da maior crise desde 1929, o banco defende que os programas de proteção e assistência social nos países ricos e em desenvolvimento devem ser ampliados com urgência e ter sua cobertura estendida.

“Os governos da América Latina e do Caribe enfrentam o enorme desafio de proteger vidas e ao mesmo tempo limitar o impacto das consequências econômicas,” afirmou o Economista-Chefe do Banco Mundial para a região, Martin Rama. Segundo o economista, “isso exigirá políticas coerentes e direcionadas em uma escala raramente vista antes”.

Para que a velocidade de reação dos governos favoreça o ambiente certo para retomada do crescimento, economistas das mais variadas linhas de pensamento concordam que o Estado precisa ter seu papel totalmente redefinido nas sociedades modernas. “Você acha que o Roosevelt estava preocupado com o orçamento quando fez o New Deal?”, questionou recentemente o ex-presidente Lula, em uma entrevista de rádio. Tarimbado pela estrondo financeiro de 2008, quando adotou medidas de investimento e estímulo ao consumo que levaram o país a crescer 7,5% em 2010, o ex-presidente avisa que só uma sólida intervenção do Estado pode fazer o Brasil atravessar a crise atual.

Responsabilidade do Estado

“A verdade nua e crua é que nos países mais justos do mundo o Estado tem de ser forte, porque só quem faz política social é o Estado”, afirmou Lula, em uma palestra proferida no mês passado, na Alemanha. “Só quem faz política para o pobre é o Estado. Se o governo não presta, troca-se o governo. Mas o que não dá é achar que o Estado fraco resolve o problema da população. Não resolve”, disse. 

Lula não está sozinho na conclusão de que o modelo neoliberal esgotou-se e é incapaz de apresentar as soluções de impacto duradouro que a gravidade da situação exige. “Diferentemente da crise financeira de 2008, essa é uma crise da economia real, uma queda simultânea da demanda e da oferta”, afirmou o economista André Lara Resende, em entrevista ao jornal O Globo, publicada no domingo (19).

Resende, um dos criadores do Plano Real, expôs ao diário a tese que está virando consenso entre analistas: não há como enfrentar a crise sem a ação do Estado. O economista foi além, apostando no redesenho do tamanho que o Estado deverá ocupar em um novo modelo de governança. “Será uma oportunidade para revalorizar o Estado e a política, para transformar o Estado cartorial e patrimonialista num Estado eficiente e a favor da população”.

O economista também não poupou críticas ao capitalismo, cuja sanha selvagem na busca pelo lucro deixou, ao longo de décadas, um rastro de pobreza e miséria pelo mundo. “O capitalismo financeiro turbinado das últimas décadas, que concentrou riqueza, inibiu a competição e destruiu empregos, será inevitavelmente questionado”, prevê.

Poupar vidas e empregos

Diferentemente da demonstrações de incompetência atroz que dominam e paralisam o governo brasileiro, em particular a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, a Argentina de Alberto Fernández arregaçou as mangas para conter a crise, salvar vidas e proteger assalariados. O governo anunciou no domingo (19) mais uma série de medidas de apoio a empregadores e trabalhadores de pequenas e médias empresas e profissionais autônomos.

De acordo com a agência oficial Télam, entre as medidas anunciadas pelo presidente Fernández estão o adiamento ou a redução em até 95% do pagamento das contribuições patronais para o Sistema Integrado Previdenciário Argentino. Ele também definiu que trabalhadores do setor privado devem receber um abono equivalente a 50% do salário líquido correspondente ao mês de fevereiro. Outra medida será a concessão de crédito a taxa zero para pessoas que aderem ao Regime Simplificado para Pequenos Contribuintes e para trabalhadores autônomos.

O pacote soma-se a uma série de políticas adotadas pelo governo argentino para minimizar o impacto da recessão sobre a economia e a população. Ao contrário do desastrado colega brasileiro, Fernández não enxerga uma dicotomia entre saúde e economia. “Prefiro ter 10% de pobres, mas não 100 mil mortes na Argentina (pelo coronavírus)”, afirma Fernández, ressaltando que uma economia em queda pode ser recuperada. “Uma vida perdida, não”.

Solidariedade e democracia

Segundo informações do diário El Pais, a Espanha pretende propor a criação de um fundo de 1,5 trilhão de euros para ações de combate aos efeitos da pandemia em solo europeu. O primeiro ministro espanhol Pedro Sanchez deverá apresentar a proposta formalmente à União Europeia nesta quinta-feira (23). De acordo com o El Pais, o fundo seria financiado por “dívida perpétua” da União Europeia e baseado em transferências não reembolsáveis para países do bloco. “O Fundo deve apoiar o financiamento da reconstrução econômica pós-crise de forma coerente no nível europeu”, estabelece o texto da proposta à qual o jornal teve acesso.

Alinhado aos espanhóis e também ao colega sul-americano, o presidente da França, Emmanuel Macron, vem defendendo o auxílio a países afetados pela pandemia na Europa sob risco da iminente ameaça de a União Europeia deixar de existir como projeto político. O presidente francês também já declarou que o Estado fará tudo o que estiver ao seu alcance para proteger a saúde e a vida da população, “custe o que custar”. “Precisamos de transferências financeiras e de solidariedade, se quisermos que a Europa sobreviva”, afirmou o líder francês ao jornal britânico Financial Times na semana passada. 

Ele manifestou apoio à Argentina, que busca um refinanciamento de dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI) da ordem de 44 bilhões de dólares. Alberto Fernández conversou na segunda-feira (20) com o presidente da França, que acompanha as negociações junto ao Fundo. Segundo o diário argentino Clarín, Fernández agradeceu a iniciativa de Macron e reafirmou o momento muito difícil de recessão e endividamento e disse que o Estado vem fazendo um enorme esforço, “considerando a saúde e a educação pública”. Como o presidente francês, ele também argumentou pela adoção do modelo de uma nova estrutura econômica para o mundo com ênfase na solidariedade. A condução do governo na crise tem aumentado a popularidade do presidente argentino.

“Um dos problemas do multilateralismo, do globalismo, é que as pessoas passam tempo demais em conferências e não fazem o suficiente na linha de frente”, criticou Malpass, do Banco Mundial. A instituição defende a liberação temporária de pagamento de dívidas contraídas por dezenas de países pobres, como Honduras e Haiti. Enquanto isso, o relógio da pandemia mundial segue em seu ritmo de descompasso acelerado, encurralando, no beco da crise, nações horrorizadas.

Da Redação

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