General afasta Ministério da Saúde da missão constitucional

Dois meses após a declaração de emergência, e dizendo “rezar” para que o impacto da pandemia seja menor, o ministro-interino Eduardo Pazuello declara que é “hora de acumular meios, estruturar UTI, habilitar esses leitos, diante de secretários de saúde e representantes da OPAS

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General Pazuello, ex-ministro da Saúde

Em meados de abril, os comandos regionais do Exército promoveram um levantamento da quantidade de cemitérios, disponibilidade de sepulturas e capacidade de sepultamentos diários em todo o país. Na época, o prefeito de Três Rios (RJ), Josimar Salles (PDT), afirmou que a solicitação era um alerta para a necessidade de manter o isolamento social. “Diante de um documento como este, vindo de uma instituição das mais respeitadas do Brasil, o Exército Brasileiro, não posso, de forma alguma, afrouxar as nossas medidas”, disse o prefeito, na época, em vídeo divulgado no Facebook.

A preocupação do gestor, passado um mês, não foi comungada pelas autoridades federais, como demonstraram os fatos que se sucederam. No último mês, dois ministros da Saúde foram afastados do cargo, enquanto o presidente e bolsonaristas levavam às ruas a cruzada pela sabotagem do isolamento social. Com a demissão do ministro Luiz Henrique Mandetta, Jair Bolsonaro implementou a “intervenção militar” no Ministério da Saúde, nomeando o General Eduardo Pazuello como “segundo homem” de Nelson Teich. Oficial de Intendência, Pazuello é formado na Academia Militar das Agulhas Negras, em 1984.

Retórica esconde paralisia

Ontem, fiel às características de sua formação de intendente, o General Eduardo Pazuello confirmou que a preocupação do governo continua sendo apenas enterrar os mortos. “O Sudeste e o Sul do país, Centro-Oeste, daquela linha imaginária para baixo, é o tempo de se preparar. A preparação é em todos os níveis. Hora de acumular meios, estruturar UTI, habilitar esses leitos. Rezamos para que o impacto seja menor”, disse. Nenhuma palavra sobre política de isolamento social ou outras medidas de combate à expansão do vírus.

Diante do avanço do Covid-19, que já atinge 60% das cidades brasileiras, incrédulas autoridades municipais, estaduais e representantes da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) ouviram do General que é “tempo de se preparar”. No entanto, diferente de outros países, o governo brasileiro não tomou nenhuma iniciativa para coordenar a compra de equipamentos médicos, deixando tarefa para governadores e prefeitos. Limitou-se apenas a um duvidoso investimento para ampliar a produção de cloroquina, em laboratórios do próprio Exército.

Diante do avanço do Covid-19, que já atinge 60% das cidades brasileiras, incrédulas autoridades municipais, estaduais e representantes da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) ouviram do General que é “tempo de se preparar”. Foto: Alex Pazuello.

As ações do General Pazuello apostam transformar o Ministério da Saúde em uma extensão do Exército, afastando definitivamente a instituição da sua função de coordenação médica e científica no enfrentamento a pandemia. É função do Ministério da Saúde, por definição constitucional, “dispor de condições para a proteção e recuperação da saúde da população, reduzindo as enfermidades, controlando as doenças endêmicas e parasitárias e melhorando a vigilância à saúde, dando, assim, mais qualidade de vida ao brasileiro”. Um serviço de intendência no Exército Brasileiro é responsável por logística, e por atividades de suprimento, transporte de pessoal e de suprimentos e administração financeira, entre outras atividades burocráticas. Na história do Ministério da Saúde, os titulares da pasta  sempre tiveram formação médica, inclusive no período da ditadura militar.

O interino-intendente da Saúde não está só em sua missão de esvaziar o ministério de suas funções constitucionais e desviar o foco de sua intervenção na pandemia. Antes do General Pazuello, Bolsonaro já havia escalado o Almirante Flávio Rocha, chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE). Depois, durante e após o afastamento do ministro Teich, novas levas de militares foram nomeadas para cargos que, por definição de suas funções, exigem qualificação técnica adequada e experiência em saúde pública profissional. Engrossando a lista de militares no governo, foram nomeados assessores especiais, coordenadores de áreas, diretores de programas e diretores-executivos. Para o cargo de adjunto do ministro-interino foi nomeado o Coronel do Exército Antônio Élcio Franco Filho.

Advogado de milicianos

A exceção civil é o advogado criminalista Zoser Hardman de Araújo, filiado ao PRTB, partido do vice-presidente da República, Hamilton Mourão, defensor do ex-PM Daniel Benitez, apontado como um dos mentores do assassinato da juíza Patrícia Acioli, em 2011. Entre os clientes do assessor indicado para o Ministério da Saúde também estão o ex-PM Ricardo Teixeira Cruz, conhecido como Batman, condenado pela Justiça fluminense por comandar uma milícia na Zona Oeste do Rio. Além de Batman, Zoser advogou para o ex-vereador carioca Cristiano Girão, cassado e preso por chefiar uma milícia na Gardênia Azul.

Com a saída do ministro Nelson Teich, houve uma debandada de técnicos do ministério, muitos deles por contrariedade com a imposição da adoção de um novo protocolo da cloroquina. A intervenção também aprofundou a pressão pelo fim do isolamento social, alinhando o Ministério da Saúde ao discurso negacionista do presidente Bolsonaro. A Secretaria de Vigilância em Saúde, responsável pela elaboração de diretrizes para enfrentar o Covid-19, por exemplo, perdeu seus principais quadros, alguns deles há mais de uma década no exercício da função.  Os espaços estão sendo ocupados por indicações do Centrão, em especial secretarias que movimentam grandes somas de recursos públicos.

Da Redação

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