Guedes cumpre promessa de sufocar as pequenas empresas

Em movimento semelhante às idas e vindas do auxílio emergencial, Bolsonaro e Guedes liberam a conta-gotas recursos para micro e pequenas empresas. Os R$ 30,7 bilhões destinados ao programa representam 15% dos R$ 200 bilhões necessários. Microempreendedores Individuais também sofrem com falta de crédito

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Governo é inimigo dos pequenos

As incertezas sobre prazos e valores que cercam os 67 milhões de beneficiários do auxílio emergencial para trabalhadores informais são semelhantes às que atingem micro e pequenos empreendedores nacionais. Para estes, a insegurança sobre o acesso a crédito é a principal fonte de preocupação. A segunda fase do Programa de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), anunciada em 31 de agosto, por exemplo, já está chegando ao fim.

Em menos de uma semana, os R$ 12 bilhões liberados para instituições financeiras regionais já se esgotaram na maioria delas. Na primeira fase do programa, foram destinados R$ 18,7 bilhões, que terminaram em menos de um mês.

Pressionadas pela crise sanitária e econômica decorrente da pandemia do coronavírus, as micro e pequenas empresas (MPE) continuam buscando crédito, mas a minoria foi atendida. Levantamento recente divulgado pelo Sindicato da Micro e Pequena Indústria (Simpi) apontou que 8 em cada 10 micro e pequenas indústrias estão sem acesso a crédito.

A mesma enquete indicou que apenas 8% das empresas tiveram os recursos com garantia do governo aprovados, enquanto 31% tentaram tomar empréstimos na linha, mas seus pedidos não foram aprovados.

Já uma pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), realizado a partir de dados do Banco Central, mostra que houve uma redução no número de operações de crédito realizadas por empresas de todos os portes. Durante o 2º trimestre de 2020 (considerado o período mais crítico desde o início da pandemia), essa queda foi de 12% (em relação ao 1º trimestre de 2020).

As pesquisas do Sebrae mostram que a maior parte das empresas já voltou a operar. Mas para recuperarem o equilíbrio, será fundamental garantir os recursos necessários para investimentos ou para a recomposição do fluxo de caixa

Carlos Melles, presidente do Sebrae

Em contraposição, os dados do BC mostram que houve uma expansão de 15% no volume de crédito concedido (na comparação entre os dois trimestres de 2020). A explicação para essa realidade – redução do número de operações X aumento do valor concedido – está no fato de que a maior parte do recurso novo acabou sendo destinado a uma base seleta de clientes, com empréstimos de maiores valores.

O levantamento, realizado pelos economistas do Sebrae Giovanni Beviláqua e Marco Bede, mostra que – entre janeiro e junho de 2020 – a quantidade de microempresas e empresas de pequeno porte tomadoras de empréstimos se manteve praticamente a mesma (em torno de cinco milhões de pequenos negócios). Isso se deu na contramão do significativo crescimento da procura por crédito causado pela crise.

Entre a primeira semana de abril e a última semana de julho, o percentual de pequenos negócios que havia buscado empréstimos passou de 30% para 54%. Mas 56% desses empreendedores tiveram seus pedidos de empréstimo negados pelos bancos.

Para o presidente do Sebrae, Carlos Melles, a ampliação do número de pequenos negócios com acesso a crédito ainda não se efetivou. “As pesquisas do Sebrae mostram que a maior parte das empresas já voltou a operar. Mas para recuperarem o equilíbrio, será fundamental garantir os recursos necessários para investimentos ou para a recomposição do fluxo de caixa”, ressalta Melles.

A dificuldade de acesso a crédito por parte de pequenos negócios ficou mais evidente durante a pandemia, principalmente para aqueles empresários que não tinham um histórico de relacionamento e crédito pré-aprovado antes da crise para realizarem novas operações ou renovarem as existentes.

Mesmo os grandes bancos comerciais sendo os mais procurados quando o assunto é empréstimo, as maiores taxas de aprovação de crédito para os pequenos negócios vêm de outras instituições financeiras, como cooperativas de crédito, bancos regionais, agências de fomento, fintechs, entre outras.

“Apesar da grande importância das micro e pequenas empresas para o desenvolvimento da economia do país, ao responderem por 99% de todas as empresas brasileiras e participarem em quase 30% do PIB, isso não se reflete no mercado financeiro de crédito. Por isso, o aumento da participação destas instituições não bancárias foi tão importante para que os pequenos negócios pudessem ter acesso a crédito, principalmente no período mais grave da pandemia”, ressalta o presidente do Sebrae.

Outra categoria que vem sofrendo com a falta de crédito é a dos microempreendedores individuais (MEIs). Apenas cerca de 5,2 milhões deles, de um total de 10,7 milhões registrados no país, tiveram acesso ao auxílio emergencial concedido a trabalhadores informais.

Os dados, divulgados nesta quinta (10) pelo Sebrae, mostram que mais de 1,3 milhão de empreendedores dessa categoria de pequenos negócios pediu a ajuda financeira, mas sem sucesso. Esse grupo recebeu a negativa após consulta feita pela Dataprev, que analisa outros critérios, como se o MEI possui renda familiar maior do que três salários mínimos, o equivalente a R$ 3.135.

Governo postergou ao máximo o apoio

O Pronampe foi sancionado com quatro vetos do presidente Jair Bolsonaro em 19 de maio, mas só foi regulamentado em 9 de junho. Aprovada a extensão do programa pelo Congresso Nacional em 29 de junho, Bolsonaro sancionou a nova lei apenas no último dia do prazo do projeto, em 19 de agosto.

“O governo usou o prazo máximo para a sanção, apesar da demanda das pequenas empresas e da pressão do Congresso. A expectativa era que a sanção ocorresse antes, porque tem muita demanda reprimida no crédito à micro e pequena empresa e cada dia que passa é um prejuízo a mais para as empresas que estão esperando o crédito para tentar evitar uma demissão ou até o fechamento”, criticou o gerente de Políticas Públicas do Sebrae, Silas Santiago.

“A preocupação é grande, porque muitas empresas estão na fila de espera pelo crédito e não têm certeza se conseguirão entrar na lista de beneficiados já que a demanda é grande. E chega uma hora que não dá mais para esperar, porque as dívidas aumentam e a empresa fica impossibilitada de operar”, acrescentou o presidente da Confederação Nacional das Micro e Pequenas Empresas e Empreendedores Individuais (Conampe), Ercílio Santinoni.

Além do atraso, os recursos públicos disponíveis para o Pronampe ainda são muito pouco, segundo o estudo “Crédito para os pequenos em tempos de pandemia”, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). A estimativa é de que a demanda por crédito não atendida do setor deve somar R$ 202 bilhões em 2020.

Para chegar a esse número, os pesquisadores estimaram o faturamento total das 17,3 milhões de micro e pequenas empresas (MPEs) do país e a queda média de faturamento provocada pela pandemia por setor. O estudo explica que as MPEs costumam arcar com custos recorrentes (capital de giro) antecipando o dinheiro das vendas com recebíveis, já que, mesmo antes da pandemia, elas tinham dificuldade para conseguir crédito.

Com o faturamento caindo, elas não conseguem antecipar recebíveis e passam a pedir empréstimos. Portanto, parte do capital de giro se transforma em demanda por crédito.

Para estimar a necessidade de crédito, eles observaram a queda no faturamento e a necessidade de capital de giro por setor, já que dependendo da atividade os custos recorrentes são maiores ou menores. Eles consideraram ainda a demanda normal por crédito, com base nos dados do ano passado, e o crédito concedido em 2019.

“Aplicando este raciocínio para todos os setores nos quais se distribuem as 17,3 milhões de MPEs, estimamos uma demanda de crédito da ordem de R$ 472 bilhões. […] Considerando ainda os dados de concessão de crédito divulgados pelo Banco Central (2019), estimamos uma lacuna entre a demanda potencial de MPEs e a oferta anual de crédito pelas instituições financeiras da ordem de R$ 202 bilhões”, diz o estudo.

Os pesquisadores acrescentam ainda que os números não levam em conta o fato de que os bancos estão concedendo “consideravelmente menos crédito em 2020 do que em 2019. A lacuna é provavelmente maior”.

Oferta não cobre a demanda

“Os recursos anunciados pelo Pronampe não chegam nem a 20% da demanda, e os bancos privados vão continuar com o pé no freio”, explica Lauro Gonzales, coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV. “Para que os canais de crédito continuem abertos para essas empresas de pequeno porte, é necessária a atuação do governo, não há outra forma”.

Na avaliação de Gonzales, um dos autores do estudo, dentro do grupo das empresas de pequeno porte, as menores têm mais risco de morrer durante a pandemia exatamente pela dificuldade de obter crédito. “Há duas ferramentas de combate à travessia da crise, crédito e o auxílio emergencial. Pelo lado do crédito, há uma insuficiência que nos próximos meses pode gerar uma quebradeira maior das empresas”, completa.

O consultor econômico Murilo Viana, mestre em economia pela Unicamp, lembra que as pequenas empresas são responsáveis por 30% do PIB do país e mais da metade dos empregos formais, conforme um estudo do Sebrae e da FGV. Portanto, segundo ele, a trava no crédito às pequenas pode ser uma economia tola, já que se elas morrerem, o custo com o desemprego pode ser ainda maior depois.

“A falta de crédito afeta a capacidade de recuperação da economia. O governo fala de medidas para o emprego voltar, mas ele precisa ter empresas para empregar essas pessoas”, argumenta Viana.

Os pequenos negócios dominaram a criação de empregos em 2019. As micro e pequenas empresas abriram 731 mil vagas formais, enquanto as médias e grandes fecharam 88 mil postos com carteira assinada. Considerando os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), os pequenos negócios criaram 12,4 milhões de vagas entre 2007 e 2019, enquanto médios e grandes perderam 1,5 milhão.

Para Murilo Viana, os dados deixam claro que o Pronampe está longe de ser o suficiente. “Ponto um: o programa é tardio, faltou timing do governo; ponto dois: apesar de ter começado com uma velocidade boa, não há garantia de que esse volume vai crescer no mesmo nível da necessidade das empresas”, diz o especialista em contas públicas. “Com a falta de timing, empresas que eram saudáveis e no início da pandemia tinham apenas pequenos problemas de liquidez, agora estão insolventes.”

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