“Não vão nos calar”: deputadas do PT e do PSOL denunciam perseguição

Comissão de Ética da Câmara abre processos absurdos contras seis parlamentares, que são claramente vítimas de violência política de gênero

Gabriel Paiva

A presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, fala ao lado e em defesa das parlamentares vítimas de violência política de gênero

Sem dar sinal algum de que vão se intimidar e muito menos se calar, as deputadas federais Érika Kokay (PT-DF), Juliana Cardoso (PT-SP), Célia Xakriabá (PSOL-MG), Fernanda Melchionna (PSOL-RS), Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e Talíria Petrone (PSOL-RJ) protestaram, nesta quarta-feira (14), contra a tentativa da extrema direita de cassar seus mandatos.

Logo após a instauração de processos disciplinares contra elas no Conselho de Ética, as parlamentares deram uma coletiva à imprensa na qual denunciaram a violência política de gênero. A maior evidência de sofrem uma perseguição infundada é a velocidade sem precedentes com que estão caminhando os processos, abertos a pedido do PL depois de as deputadas criticarem quem votou a favor do marco temporal, que ameaça o direito à terra de povos indígenas.

“Assassinos são aqueles que colocam as canetas para que os tratores passem nas terras do nosso povo. Portanto, não vão nos calar. E nós todas, que estamos aqui, e tantas outras, se continuar essa forma absurda de colocar na comissão de ética, nós e as demais parlamentares estaremos semanalmente na comissão de ética. Portanto, eu ecoo aqui a todos vocês que nos ajudem a denunciar e a defender nossos mandatos”, afirmou Juliana Cardoso.

Apoio de Gleisi e Benedita

A presidenta do PT, Gleisi Hoffmann (PT-PR), ressaltou que a violência política de gênero é uma constante dentro e fora do Congresso Nacional. E denunciou o tratamento desigual dado às seis parlamentares, uma vez que deputados homens de direita fazem constante uso de palavrões, ofensas e ameaças, sem sofrer qualquer tipo de punição.

“A extrema direita e o grupo bolsonarista têm atacado as mulheres incessantemente com palavrões, ameaças e até com disposição física de enfrentamento. Fizemos diversas representações no Conselho de Ética de casos muito graves, mas essas representações não foram para frente, ficaram lá, engavetadas e paradas. Quando a gente resolve fazer o enfrentamento político, estamos sendo duras, o Conselho de Ética resolve pautar de uma maneira extremamente rápida esses processos. É lamentável o que está acontecendo. É lamentável que a Câmara tenha esse posicionamento. Precisamos resistir interna e externamente, fazendo a denúncia. O presidente da Casa tem que explicar para nós por que dessa agilidade”, argumentou.

Em um duro e potente discurso, deputada Benedita da Silva (PT-RJ), prestou solidariedade às seis deputadas e celebrou suas histórias de luta por justiça e dignidade. “Essas mulheres chegaram aqui pelo compromisso que têm com a luta, porque não concordaram com muitas coisas. Elas chegaram aqui sob a base da indignação e, por conseguinte, nós, mulheres brasileiras, não podemos deixar de prestar solidariedade às nossas irmãs, iguais na diferença. Nós não podemos calar”, discursou.

Benedita acrescentou que, como coordenadora da Bancada Feminina, defenderá sua colegas, que, segundo ela, são vítimas de algozes que não respeitam as parlamentares. “Elas chegaram tal qual eles chegaram aqui, com autoridade de se indignar. E o marco temporal é uma coisa criminosa, é um genocídio contra a comunidade indígena, e nós temos que fazer o nosso levante. E o fazemos com a representatividade que a sociedade nos deu. Querem nos calar? Não conseguirão. Nós não chegamos aqui porque ficamos caladas. Chegamos aqui porque soltamos a nossa voz para continuarmos sendo livres.”

Notas de apoio às vítimas

Como denunciou Gleisi, os processos contra as deputadas do PT e do PSOL andam a uma velocidade recorde, que choca a todas as mulheres que militam por mais espaços de poder e decisão. A votação do marco temporal ocorreu em 30 de maio, há apenas duas semanas. Nesta quarta-feira, a extrema direita realizou mais uma rápida manobra e transformou a representação, que era coletiva, em representações individuais (veja lista abaixo), dando aos relatores um prazo de 10 dias úteis para apresentar um parecer prévio.

Na semana passada, o Grupo de Trabalho Interministerial de Enfrentamento à Violência Política contra as Mulheres, formado pelos Ministérios das Mulheres; da Igualdade Racial; dos Povos Indígenas; dos Direitos Humanos e da Cidadania; e da Justiça e Segurança Pública publicaram uma nota de apoio  às seis parlamentares. 

No texto, foi relembrado que o fenômeno da violência política contra as mulheres no Brasil é histórico e estruturou as bases de formação do país. “Agravado pela misoginia, pelo racismo e pela LBTfobia, tem como objetivo limitar ou até impedir a participação das mulheres na vida política e partidária. Essa estratégia de invisibilização das mulheres é uma das principais causas da sub-representação dessa importante parcela da população do país, no Parlamento e nos espaços de poder e decisão. As mulheres são 53% do eleitorado, mas ocupam apenas 17,7% da Câmara dos Deputados, 18% do Senado, 17% das Câmara Municipais, 12% das Prefeituras e 7,5% dos Governos Estaduais. Quando se observa a intersecção racial,  há uma sub-representação em que apenas 1,7% das deputadas são negras, e 2,6% representam as ocupantes das casas legislativas estaduais e distrital.”

A Bancada Feminina da Câmara também soltou uma nota de apoio e solidariedade. 

Mobilização da sociedade civil

Para pressionar os parlamentares, todas as deputadas clamaram pelo apoio da sociedade civil, por meio da mobilização de movimentos sociais, sindicais e organizados. Mais do que nunca é urgente que mulheres e homens democráticos se unam para defender os mandatos das deputadas que foram democraticamente eleitas. 

“Precisamos fazer mobilização na sociedade, com as nossas entidades, para não deixar isso acontecer, para pedir apoio e também mobilizar a sociedade. E é por isso que estou aqui para falar dessa violência porque a Comissão de Ética fez uma violência política sem precedentes. O que está em jogo é o processo democrático. É o direito de se manifestar politicamente e se manifestar contra a violência política que acontece neste país. O Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras está junto nessa luta. Não ao marco temporal, e não nos intimidaremos”, conclamou Gleisi Hoffamnn. 

Abaixo-assinados 

As deputadas Érika Kokay e Maria do Rosário (PT-RS) criaram dois abaixo-assinados para reunir apoio da sociedade civil. É possível acessá-los aqui  e aqui.  

Representações específicas

Foram instaurados os seguintes processos:

– Processo 8/23, referente à Representação 9/23, contra a deputada Célia Xakriabá. A lista tríplice sorteada para a relatoria inclui os deputados Paulo Magalhães (PSD-BA), Jorge Solla (PT-BA) e Jack Rocha (PT-ES).

– Processo 9/23, referente à Representação 10/23, contra a deputada Sâmia Bomfim. A lista tríplice sorteada para a relatoria inclui os deputados Washington Quaquá (PT-RJ), Gutemberg Reis (MDB-RJ) e Miguel Ângelo (PT-MG).

– Processo 10/23, referente à Representação 11/23, contra a deputada Talíria Petrone. A lista tríplice sorteada para a relatoria inclui os deputados Sidney Leite (PSD-AM), Delegado Fabio Costa (PP-AL) e Rafael Simoes (União-MG).

– Processo 11/23, referente à Representação 12/23, contra a deputada Erika Kokay. A lista tríplice sorteada para a relatoria inclui os deputados Bruno Ganem (PODE-SP), Ricardo Ayres (Republicanos-TO) e Acácio Favacho (MDB-AP).

– Processo 12/23, referente à Representação 13/23, contra a deputada Fernanda Melchiona. A lista tríplice sorteada para a relatoria inclui os deputados Gabriel Mota (Republicanos-RR), Ricardo Maia (MDB-BA) e Alex Manente (Cidadania-SP).

– Processo 13/23, referente à Representação 14/23, contra a deputada Juliana Cardoso. Na reunião do dia 30 de maio, já foi instaurado processo (referente à Representação 5/23) contra Juliana Cardoso pelo mesmo motivo. Segundo o presidente do Conselho, a nova representação será apensada à Representação 5/23, com o mesmo relator, o deputado Gabriel Mota (Republicanos-RR).

Das listas tríplices de cada processo, um nome será escolhido relator pelo presidente do Conselho de Ética, Leur Lomanto Júnior (União-BA).

Da Redação do Elas por Elas, com informações da Agência Câmara de Notícias, da Bancada Feminina da Câmara e do Ministério das Mulheres 

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