Nelson Teich, de gestor “técnico” a “tutelado por militares”

Governadores, secretários de Saúde e parlamentares se espantam com falta de conhecimento do ministro da Saúde sobre a pandemia de coronavírus. Promessas dele vão sendo superadas pela realidade dia após dia

Bruno Caramori

MInistro da Saúde, Nelson Teich

Nelson Teich tomou posse em 17 de abril, um mês depois da primeira morte por Covid-19 no Brasil. Desde então, já foi flagrado em vídeo com dificuldades para botar uma máscara de proteção, levou quase uma semana para dar entrevista como novo ministro da Saúde e frustrou governadores, secretários de Saúde e senadores ao não responder claramente as dúvidas dos interlocutores. Na noite desta terça, 5, foi para o Twitter tentar uma “lacração” contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o acusou de nunca ter entrado em uma Unidade Básica de Saúde (UBS).

“Iniciei minha carreira há 39 anos no SUS“, retrucou Teich, deixando passar um detalhe: o Sistema Único de Saúde existe há 32 anos. Foi instituído pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196, como forma de efetivar o princípio constitucional do direito à saúde como um “direito de todos” e “dever do Estado”, e está regulado pela Lei nº. 8.080/1990.

De tropeço em tropeço, Nelson Teich constrói uma imagem de gestor sem conhecimento de gestão pública de saúde e tutelado pelo setor militar do governo. Além do secretário-executivo general Eduardo Pazuello, número 2 da pasta, nos próximos dias os militares deverão emplacar ao menos mais cinco nomes em cargos estratégicos, que irão se juntar ao secretário executivo adjunto, coronel Elcio Franco Filho.

Falsas promessas

Considerada nos bastidores como vitória do secretário de Comunicação, Fábio Wajngarten, e do empresário bolsonarista Meyer Nigri, dono da Tecnisa, aliados a empresários do setor da saúde, a escolha de Teich vinha revestida de uma aura “técnica”, que ajudaria a destravar debates “politizados” sobre a pandemia do coronavírus. Na prática, porém, à condução errática agora se somam acusações de não realizar promessas, ou cumpri-las apenas em parte.

Uma das primeiras, a distribuição de 46 milhões de testes, mal chegou à casa dos 5,1 milhões entregues, ou 11% do total prometido. Desses, 1,6 milhão são testes que usam a técnica de RT-PCR – que verifica o material genético – e 3,5 milhões, doados por empresas privadas, são testes rápidos, que verificam se há anticorpos no organismo.

Outros 24,6 milhões “estão sendo adquiridos, ou foram uma parte já recebidos”, declarou o secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira, em coletiva na terça, 5. Apesar de dizer que “tem uma grade de distribuição planejada” e que a Fiocruz entregaria 3,6 milhões de testes em maio, ele não informou o cronograma de entrega desses 24,6 milhões de testes nem a previsão de chegada dos demais.

Oliveira admitiu ainda que o Brasil desconhece os resultados de quase 200 mil testes já realizados. Cerca de 90 mil amostras estão aguardando análise laboratorial, e cada laboratório central analisa só de cem a 150 amostras por dia. Outros mais de cem mil foram feitos na rede privada, que ainda não compartilhou os resultados com o MS.

Quando Teich anunciou a compra dos 46 milhões de testes, os ex-ministros da Saúde Humberto Costa e Alexandre Padilha duvidaram da chance de êxito do governo. Ambos apostaram que a falta de previsão de prazo para a conclusão da testagem e a ausência de planejamento do governo Bolsonaro desde o início da pandemia tornariam quase impossível o cumprimento da promessa. “Falta transparência e informação técnica: onde o governo vai comprar esses testes? De onde surgiu essa meta de 46 milhões e que insumos serão usados se forem produzidos no Brasil?”, questionou Costa.

Fracassos acumulados

Outro fracasso, constatado nesta quarta, 6, foi o do pregão eletrônico realizado em 30 de abril para contratar os dois mil leitos de Unidade de Tratamento Intensiva (UTI) prometidos aos Estados. A exemplo do primeiro pregão, em 19 de março, pela segunda vez não houve interessados na licitação.

Até agora, o número de leitos entregues pela pasta é 350, o equivalente a 17,5% do prometido. Outros 190 chegaram a ser contratados, mas não foram entregues por falta de respiradores. Na última semana, o Ministério da Saúde havia anunciado que falhara uma tentativa de compra de 15 mil respiradores da China, por R$ 1 bilhão. Em abril, estava prevista a entrega de 2.240 unidades, mas apenas 273 foram distribuídas.

No domingo, 3, em Manaus, Teich disse que o governo tentaria fazer nova importação de respiradores, agora sem intermediários, mas não revelou quantos aparelhos deseja trazer ao país. A pasta hoje depende da produção nacional, que, na visão de gestores do SUS, não dará conta do aumento de casos no país.

O repasse de recursos prometidos a Estados e municípios para apoiar o combate à pandemia também está travado. O Ministério da Saúde pagou apenas 12% dos R$ 21,3 bilhões reservados para os Estados, que vêm reclamando que a demora não é a mesma dos municípios, para os quais metade dos R$ 7,1 bilhões aprovados já saíram. Além dos repasses, dos R$ 9,4 bilhões de “aplicações diretas” do Ministério da Saúde, só R$ 434 milhões foram pagos.

Teich, que a exemplo de Bolsonaro frequenta as redes sociais, havia anunciado no Twitter em 25 de abril que em uma semana teria distribuído 79 milhões de equipamentos de proteção individual (EPIs) para profissionais de saúde, três milhões de testes rápidos e 272 respiradores. Outra promessa cumprida apenas em parte. No domingo, 3, entregou ao governo do Amazonas três toneladas de EPIs e 45 respiradores.

A falta de EPIs está fazendo vítimas entre os profissionais de saúde. O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) contabilizou até esta quarta, 6, o total de 73 óbitos de profissionais pela covid-19 no país. Outras 16 mortes envolvendo trabalhadores da área ainda estão sob análise, aguardando resultado de testes.

O resultado faz do Brasil o país com o maior número de mortes entre as mais de cem estimadas pelo Conselho Internacional de Enfermagem. O Observatório da Enfermagem, lançado nesta quarta pelo Gabinete de Crise do Cofen, registra mais dez mil casos suspeitos de Covid-19 entre profissionais de enfermagem em todo o país.

“Esta situação gravíssima reflete a escassez de EPIs, treinamento adequado das equipes, profissionais de grupos de risco mantidos na linha de frente do atendimento, subdimensionamento das equipes, dentre outros fatores. Não somos máquinas”, reclamou o presidente do Cofen, Manoel Neri.

O Cofen precisou acionar a Justiça para garantir o afastamento dos profissionais integrantes de grupos de risco das funções que exijam contato direto com casos suspeitos ou confirmados de Covid-19 e assegurar a realização de testes nas equipes de Enfermagem. Nesta segunda, 4, uma vitória liminar do conselho garantiu o afastamento nos hospitais e institutos administrados diretamente pela União.

Percepção negativa

A percepção sobre a audiência pública de Teich no Senado, em 30 de abril, não foi positiva. Questionados sobre a capacidade do governo de lidar com a crise, os parlamentares viram dificuldade na relação com Estados e municípios e desconhecimento do ministro da situação na ponta e do SUS. Teich falou por pouco mais de cinco horas com os senadores, criticando os governadores pelas baixas taxas de isolamento, e deixou má impressão pela fragilidade de dados e conhecimento sobre a situação em cada Estado.

Governadores e secretários do Nordeste também notaram Teich “perdido” em videoconferência na última semana. O ministro chegou a consultar os gestores locais sobre qual a melhor forma para comprar respiradores ao país, sem depender de importadoras.

Nos bastidores, secretários de Estados e de municípios dizem, em tom irônico, que o verdadeiro ministro da Saúde é o general Pazuello, pois, em reuniões, o militar é quem trata sobre o que a pasta de fato entregará. Teich usa termos vagos, segundo esses interlocutores, e afirma que “busca dados” ainda para praticamente todas as situações.

“Os Estados e municípios não podem mais continuar pregando sozinhos sobre a necessidade de isolamento social. É preciso que o SUS tenha um único discurso”, afirmou o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) em nota, dizendo ainda que espera que o Ministério da Saúde se junte ao “esforço para salvar vidas”. A expectativa do Conass é que as ações definidas com o ministro sejam colocadas em prática a partir da próxima segunda-feira, 11.

Em meio ao caos do governo federal, foram publicados nesta terça, 5, dois estudos apontando que o Brasil deve se tornar o novo epicentro global da pandemia. O InfoGripe, sistema da Fiocruz que acompanha internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), confirmou que a tendência de aumento segue firme. A taxa de crescimento da disseminação da covid-19 (mesmo com a subnotificação) está entre as 25% piores do mundo, e o aumento da letalidade é o pior da América Latina. A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) também alertou sobre o crescente número de casos no Brasil, especialmente com o aumento nas cidades menores.

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