O país precisa de investimentos, não de gastança disfarçada

No Orçamento da União, preferidos de Bolsonaro recebem vantagens desde o primeiro ano de governo. Austeridade seletiva avança contra Educação, Saúde e Programas Sociais para privilegiar bancos e parlamentares da base aliada. PT defende novas regras de gastos mais alinhadas à experiência internacional

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Bolsonaro quer "furar o teto" para financiar seu projeto

Esta semana, o tema teto de gastos ocupou o centro do debate político, aprisionando o Brasil em uma disputa entre os que querem burlar o teto e mantê-lo ao mesmo tempo, usando artifícios contábeis, e os que simplesmente querem manter o teto como está. Entre acender uma vela para o deus mercado ou outra para o fisiologismo da confederação de interesses, muitos escusos, que forma o desgoverno Bolsonaro, o ministro-banqueiro Paulo Guedes escolheu o caminho da “austeridade seletiva”.

A austeridade seletiva esteve presente no encontro de Jair Bolsonaro com seus colegas do Senado, David Alcolumbre, e da Câmara, Rodrigo Maia, na quarta (12), por exemplo. Antes de renovarem os votos de lealdade ao teto de gastos em frente a um Palácio do Planalto coberto de sombras, o chefe do Executivo disse aos chefes do Legislativo que, para atender as demandas da base aliada, avalizaria o uso do crédito extraordinário.

O dispositivo é uma das poucas exceções possíveis para que despesas fiquem livres da limitação imposta pelo teto de gastos. Uma “pedalada consentida” para alimentar os comícios antecipados que Bolsonaro vem fazendo pelo país para inaugurar obras das quais se apossou sem mérito.

O jornal ‘Estado de São Paulo’ lembrou que em julho, a pedido do MDB, o governo chegou a preparar uma consulta ao Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a possibilidade do uso do instrumento sem violar regras fiscais. Com a repercussão negativa, o governo anunciou que havia desistido da consulta, mas agora, diante da pressão por mais recursos para gastanças eleitoreiras, resolveu agir sem o aval do TCU.

O crédito extraordinário pode ser aberto para bancar “despesas imprevisíveis e urgentes”, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública. Já o “orçamento de guerra”, aprovado para facilitar a execução de despesas com o combate da Covid-19, tirou uma série de amarras fiscais para gastos de enfrentamento a “efeitos sociais e econômicos” da pandemia.

Técnicos de órgãos de controle têm dúvidas se bancar obras que já estão em andamento ou ainda serão iniciadas, como querem Bolsonaro e alguns ministros, pode ser enquadrado como enfrentamento a efeito econômico da pandemia e passar ao largo das limitações legais.

Na terça, Guedes lamentou que os secretários especiais de Desestatização e Privatização, Salim Mattar, e de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel, pediram demissão, somando sete perdas na equipe econômica desde 2019. Em entrevista após reunião com Maia, lamentou a “debandada” e alertou que Bolsonaro entraria na “zona de impeachment” se ousasse ultrapassar a linha do teto de gastos.

No dia seguinte à fala de Guedes, o deus mercado manifestou-se com a queda na bolsa, o disparo dos juros futuros e o bom e velho dólar batendo na casa dos R$ 5,50. O movimento levou então à reunião noturna de Bolsonaro, Alcolumbre e Maia. Durante o encontro, Guedes prometeu ao trio uma proposta orçamentária enxuta para o próximo ano, com corte drástico nos investimentos, como é do seu estilo.

Por outro lado, comprometeu-se a “arranjar”, dentro do Orçamento deste ano, R$ 5 bilhões para as pastas de Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Tarcísio de Freitas (Infraestrutura). Os dois são entusiastas do “desenvolvimentismo” da ala militar e seu ambicioso programa Pró-Brasil, que por enquanto é apenas uma miragem.

De olho nas eleições municipais que se aproximam, Marinho e Tarcísio também insistem em atender as emendas dos parlamentares da base aliada. Convenceram o chefe que, se quiser construir a reeleição em 2022 – com mais quatro anos de fórum privilegiado – terá que rodar país afora inaugurando obras, causando aglomerações e espalhando seus perdigotos negacionistas entre eleitores e candidatos a prefeito e a vereador.

Para atender os colegas de ministério, Guedes planeja transferir recursos reservados para estados e municípios no combate ao coronavírus. A ideia é deslocar parte dos R$ 8,6 bilhões da Medida Provisória 909, sancionada em junho, que não liberou dinheiro até agora. Segundo a Comissão de Orçamento do Conselho Nacional de Saúde (CNS), R$ 3,9 bilhões já evaporaram do orçamento.

Em troca da concessão, Guedes recebeu de Bolsonaro a garantia de que as privatizações dos Correios, Telebrás e Eletrobrás deverão se dar com mais velocidade, satisfazendo os interesses dos amigos rentistas do ministro-banqueiro.

Na quinta, o líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), afirmou que o Pró-Brasil será lançado somente no ano que vem. “Foi feito um acordo entre os Poderes de que o teto de gastos é irrevogável”, decretou, a duas semanas do fim do prazo para envio do projeto de Orçamento da União de 2021 ao Congresso Nacional.

Horas mais tarde, Bolsonaro, em sua live semanal, mencionou a “ideia” de furar o teto. “Qual é o problema? Na pandemia, temos a PEC de Guerra”, alegou, reclamando dos amigos rentistas de seu ministro-banqueiro. “O mercado reage, o dólar sobe, a Bolsa cai. Agora esse mercado tem que dar um tempinho também, né? Um pouquinho de patriotismo não faz mal a eles, né? Não ficar aí aceitando essa pilha.”

Na sexta (14), foi a vez de o vice-presidente, Hamilton Mourão, ambiguamente reiterar ser “totalmente” contra furar o teto de gastos, mas que uma decisão sobre o tema teria de ser tomada em conjunto por governo e Congresso, com “objetivo bem definido”, como investimento em obras ou em programas de transferência de renda.

Mais dinheiro para a Defesa

A austeridade é uma política deliberada de ajuste da economia por meio de redução de salários e gastos públicos, supostamente com o objetivo de reduzir a dívida pública. Em seu círculo vicioso, cortes do gasto público induzem a redução do crescimento, que provoca novas quedas da arrecadação, o que, por sua vez, exige novos cortes de gasto.

A recomendação de que o Estado deve cortar gastos em momentos de crise parte de uma falácia de composição que desconsidera que, se todos os agentes cortarem gastos ao mesmo tempo, inclusive o Estado, não há caminho possível para o crescimento. A solução mais razoável para tratar de um desajuste fiscal em meio a uma recessão é, portanto, estimular o crescimento, e esse é um papel do Estado.

No fundo, a austeridade é principalmente um problema político de distribuição de renda, e não um problema de contabilidade fiscal. Mas a austeridade seletiva vem sendo aplicada desde a posse de Bolsonaro. Em 2019, o governo aumentou os gastos com investimentos e custeio da máquina para a área de Defesa, por exemplo, reduzindo as despesas para Educação, Saúde e Segurança.

O resultado final das contas do governo federal em 2019, divulgado pelo Tesouro, mostrou um aumento real (acima da inflação) de 22,1% das despesas da Defesa em relação a 2018. Um incremento de R$ 4,2 bilhões de um ano para o outro. Na direção oposta, os gastos com Educação caíram 16%, e Saúde teve uma queda de 4,3%. Os investimentos para a área de segurança minguaram 4,1%.

Os dados são dos chamados gastos discricionários (como investimentos e despesas para o funcionamento da máquina pública), que o governo tem o poder de cortar. Nos gastos obrigatórios, como salários e Previdência, o governo não pode meter a tesoura. São exemplos de gastos discricionários o pagamento de despesas para a manutenção de universidades e hospitais públicos, além de programas de investimentos.

Na reta final do ano, o governo ainda fez um aporte de R$ 7,6 bilhões para a Emgepron, estatal da Marinha que fabrica corvetas. A capitalização inflou os gastos com a Defesa, embora tenha ficado fora do teto de gastos. Já as demais áreas, principalmente a social, ficaram com os gastos comprimidos pela regra, draconiana apenas para alguns.

Guedes e Maia combinam desmonte em 2021

O Projeto de Lei do Orçamento de 2020, o primeiro elaborado integralmente por Paulo Guedes, chegou a R$ 3,8 trilhões. Destes, R$ 1,9 trilhão era referente a amortizações, juros, refinanciamentos e encargos financeiros da dívida pública. Isso correspondeu a 50,7% do total do Orçamento, maior volume já gasto na história do país em manutenção anual da dívida pública.

O Congresso aprovou as Emendas Impositivas ao Orçamento, que somadas chegavam a R$ 16,2 bilhões. Enquanto Bolsonaro vetou alterações como o artigo 64, que impedia o contingenciamento, e o artigo 2, que proibia o bloqueio de recursos de fundos de pesquisa para entidades como Embrapa, Fundação Oswaldo Cruz, IPEA e IBGE.

Tomando como referência os valores de investimentos não ligados às estatais, houve decréscimo no chamado orçamento fiscal e da seguridade social. O valor baixo teve relação direta com o teto de gastos, que permitiu apenas R$ 1,45 trilhão nas chamadas “Despesas Primárias”.

Agora, com as propostas para driblar o teto ganhando terreno, Guedes e Maia montaram uma força-tarefa para barrar o movimento eleitoreiro. Acertaram com o líder do PP, deputado Arthur Lira (AL), dos principais nomes do Centrão, que será acelerada a votação da proposta que permite ao governo acionar em 2021 medidas de contenção dos gastos, além de criar novos freios para as contas públicas, os chamados “gatilhos”.

Entre as medidas que poderão ser adotadas estão a proibição de criação de despesas obrigatórias (como salários e o pagamento de benefícios da Previdência), criação de novos cargos, alteração de estrutura de carreira do funcionalismo, admissão ou contratação de pessoal, concessão ou ampliação de qualquer benefício tributário (como isenções dadas a empresas e famílias) e corte de renúncias em impostos.

Novas ações estão previstas, como revisão do pagamento do abono salarial (benefício de até um salário mínimo pago a quem ganha no máximo dois salários mínimos), do seguro-desemprego e maior foco em programas, além de cortes em renúncias fiscais.

Guedes e Maia também vão reformular as três propostas de Emenda Constitucional (PECs) que foram enviadas em novembro do ano passado, no chamado Plano Mais Brasil – pacto federativo, emergencial e fundos públicos –, numa única proposta ou em duas. A nova PEC vai exigir que as medidas sejam acionadas para União, estados e municípios.

Para a Educação, já se sabe que o governo pretender fazer um corte de 18% em 2021, que deverá neutralizar o avanço obtido com o Novo Fundo de Desenvolvimento e Valorização dos Profissionais de Educação (Fundeb), em apreciação no Senado.

Do total de R$ 4,2 bilhões que se pretende cortar em despesas discricionárias – não obrigatórias –, R$ 1 bilhão deve ser retirado das universidades federais. O restante do corte, de R$ 3,2 bilhões, será distribuído nas redes de educação básica – ensino infantil, fundamental e médio. Semelhante ao valor estimado do acréscimo ao novo Fundeb em 2021: cerca de R$ 3 bilhões.

“Tudo leva a crer que os R$ 3,2 bilhões poderão recair majoritariamente nas ações de cooperação que o MEC possui com as 27 redes estaduais e com as 5.570 redes municipais de ensino. Tudo indica que essa medida visa a compensar os gastos extras que a União terá com o novo Fundeb. No frigir dos ovos, tudo poderá continuar como está, ou até pior”, avaliou Rosilene Corrêa, diretora da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), para a ‘Rede Brasil Atual’.

Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, qualifica de enganosa a justificativa do governo. “O governo alega que o novo corte para a educação é acarretado somente pela crise em consequência da pandemia do coronavírus, o que é falso. As alocações orçamentárias de uma área para a outra obedecem a lógica do cobertor curto promovida pela Emenda Constitucional (EC) 95, do Teto de Gastos que, contrariamente a todas as recomendações de especialistas no Brasil afora, segue vigente, matando milhões e promovendo retrocessos enormes para as áreas sociais, como a educação.”

Na área de Saúde, um estudo da Comissão de Orçamento e Financiamento (Cofin) do Conselho Nacional de Saúde (CNS) aponta que o SUS já perdeu R$ 20 bilhões de 2016 para cá. Ao longo das duas décadas previstas para a vigência do teto de gastos, os danos são estimados em R$ 400 bilhões. “A autoproibição orçamentária que foi criada em 2016 é um suicídio econômico, político e social”, define o conselho.

“A austeridade fiscal tem sido seletiva: rigor no controle de despesas das áreas sociais, mas flexibilidade para atender demandas dos militares e dos parlamentares do Centrão para apoio da base política no Congresso, que coincide com o período pré-eleitoral municipal”, criticou o consultor Técnico do CNS, Francisco Funcia.

Recursos para reconstruir o país

Desde que a presidenta legitimamente eleita, Dilma Rousseff, foi alvo de um impeachment sem crime de responsabilidade, chegou ao poder um projeto de retirada de direitos e de destruição da soberania nacional. Entre os atropelos à Constituição, o maior deles está materializado na Emenda Constitucional 95 (EC 95), e foi consumado meses depois do impeachment.

A “emenda do fim do mundo” é uma regra fiscal que desfinancia os serviços públicos, piora a concentração de renda e não deixa a economia se recuperar. A medida, em vigor até 2037, foi aprovada com base em argumentos falaciosos de que nações desenvolvidas usariam regras semelhantes.

Na verdade, desde 2011 membros da União Europeia estabeleceram um limite para o crescimento da despesa associado à taxa de crescimento de longo prazo do PIB e não em crescimento real nulo, com flexibilidade fiscal para recuperar a estabilidade econômica. Ademais, na maioria desses países já existe uma estrutura consolidada de prestação de serviços públicos, diferentemente do Brasil, onde há muito mais carências sociais e precariedades na infraestrutura.

A regra brasileira não prevê nenhum mecanismo para lidar com crises econômicas ou outros choques, como esta pandemia do coronavírus. Pelo contrário, tende a engessar a política fiscal por duas décadas. Na verdade, o que o regime se propõe a fazer é retirar da sociedade e do Parlamento a prerrogativa de moldar o tamanho do orçamento público, que passará a ser definido por uma variável econômica (a taxa de inflação), e impor uma política permanente de redução relativa do gasto público.

Enquanto uns e outros lutam encarniçadamente em proveito próprio, o Brasil agoniza entre mais de 105 mil mortos por Covid-19 e mais de 40 milhões de pessoas oficialmente desempregadas ou que gostariam de trabalhar, mas não conseguem ocupação nesse país. O Partido dos Trabalhadores mantém sua posição: para ressuscitar a economia destruída pelo desmonte promovido por Temer e Bolsonaro, é preciso revogar o Novo Regime Fiscal criado pela Emenda Constitucional 95, a “emenda do fim do mundo”.

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