Paradoxo da exportação, por Marcio Pochmann

A estrutura produtiva manufatureira seria a única capaz de produzir melhores resultados que o extrativismo mineral e vegetal e a agropecuária, argumenta Pochmann

Rodrigo Felix/SEIL

Sob a liderança crescente do Brasil exercida pelo presidente Lula no âmbito do emergente Sul Global, o país se defronta com posição especial no interior do continente sul-americano

O paradoxo da exportação ronda o Brasil desde que este ingressou passiva e subordinadamente na globalização, em 1990. Para o Banco Mundial, a soma das exportações com as importações totais do país equivaleu a 39% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2021, o maior patamar das últimas seis décadas.

Entre os anos de 1960 e 1990, por exemplo, o comércio externo brasileiro permaneceu estabilizado como proporção do PIB, variando entre 13 a 15% da renda nacional. Mas entre 1990 e 2021 houve um salto significativo, com a multiplicação por 2,9 vezes o peso do comércio externo do PIB brasileiro, apenas nestas três décadas.

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Com isso, a participação brasileira no total das exportações mundiais chegou a 1,3% em 2022, o que significou aumento de 44,4% em relação ao ano de 1990 (0,9%). Por outro lado, o Brasil declinou de 1% para 0,9% a sua participação no total das exportações do mundo entre 1960 e 1990.

Se se considerar o comportamento do PIB brasileiro em relação ao PIB mundial, constata-se uma situação inversa ao desempenho das exportações brasileiras no mesmo período de tempo. Entre os anos de 1990 e 2022, a participação do Brasil no PIB mundial decresceu de 3,6% para 2,3%, enquanto tinha crescido de 1,4% para 3,6% entre 1960 e 1990.

Em síntese, constata-se que entre 1960 e 1990 a participação do Brasil no total das exportações mundiais declinou 10% e a proporção brasileira no PIB global aumentou 2,6 vezes, ao passo que entre 1990 e 2022 o peso do Brasil no total das exportações no mundo aumentou de 44,4% e a presença brasileira no PIB mundial regrediu 36,1%.

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Esse paradoxo da exportação no Brasil já havia sido constado há mais tempo pelo inglês William Petty (1623-1687) ao notar que a Irlanda empobrecia ao aumentar a exportação de cereais para a Inglaterra (Tratado dos impostos e contribuições, 1662). Da mesma forma, o argentino Raúl Prebisch, no final da década de 1940 (O desenvolvimento econômico da América Latina e alguns de seus problemas principais, 1949), identificou a deterioração dos termos de troca no comércio externo como desfavorável aos países latino-americanos ao comprovar com base em série histórica da região que a exportação de commodities apresentava tendência de perda de valor em relação aos preços dos produtos industrializados.

Assim, as economias primário-exportadoras precisavam produzir e exportar cada vez mais commodities para poder acompanhar o valor de quantidades contínuas de bens manufaturados importados. A saída apresentada naquela época era o reposicionamento na Divisão Internacional do Trabalho com a passagem do modelo econômico primário-exportador para a industrialização.

Diante disso, convém ressaltar que as exportações nem sempre sejam de todo um mal aos países. Requer, contudo, saber como a sua composição e dependência internacional constituem uma ameaça externa ao desenvolvimento nacional. Conforme destacado originalmente por William Petty e acompanhado, posteriormente, por outros autores clássicos do desenvolvimento capitalista nacional como o estadunidense Alexander Hamilton (1755-1804) e o alemão Friedrich Lista (1789-1846), a ameaça externa seria problema central a ser superado pela independência política, o progresso econômico, a soberania militar e a segurança nacional.

Isso porque a inserção geopolítica, a estrutura produtiva e a geração de renda estariam continuamente pressionadas pelos interesses externos. Pela assimetria intrínseca ao sistema de competição interestatal, o desafio externo a ser enfrentado deveria contar com políticas governamentais que diminuíssem o grau de dependência/vulnerabilidade econômica e militar externa.

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Para tanto, o direcionamento nacional às atividades produtivas e de expansão ocupacional nos setores econômicos considerados estratégicos para o desenvolvimento nacional resultariam na maior pujança e coesão social nacional. A estrutura produtiva manufatureira seria a única capaz de produzir melhores resultados que o extrativismo mineral e vegetal e a agropecuária.

O paradoxo da exportação brasileira descrito acima pode ser desfeito. A reindustrialização em novas bases pode ser um passo importante neste sentido.

Publicado originalmente no site Terapia Política

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