Trabalho e violência doméstica em tempo de Coronavírus

Artigo do Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas para Mulheres

Wilson Dias/Agência Brasil

Não há como tratar a crise sanitária, social e econômica sem identificar os efeitos diferenciados sobre mulheres e homens, especialmente entre aquelas que se encontram em condição de maior vulnerabilidade social. Com a crise há uma intensificação do trabalho das mulheres, sobretudo, o trabalho não remunerado. Além disso, o desemprego afeta primeiramente os trabalhos mais precários e altamente feminizados, como o emprego doméstico, o
comércio e os serviços. Esses contextos também são marcados por profundos retrocessos nos avanços pela igualdade, em que se acentua ainda mais o desequilíbrio nas responsabilidades entre mulheres e homens e pelo crescimento da violência doméstica, do estupro e do feminicídio.

A crise sanitária encontrou o Brasil em um quadro de profunda estagnação econômica, elevado desemprego, crescimento da informalidade, retorno da pobreza e extrema pobreza e intensificação das desigualdades. As mulheres são 52% da população e não há como não serem as mais afetadas pela crise sanitária e sob diferentes perspectivas: por um lado, no ambiente da casa, que se converte no centro das rotinas diárias e também onde vão se intensificar as exigências sobre as mulheres com os cuidados e as tarefas domésticas. O isolamento social coloca as mulheres em uma situação de maior
vulnerabilidade diante da violência doméstica, do estupro e do feminicídio, os primeiros dados divulgados sugerem um crescimento da violência doméstica durante o isolamento social de mais de 50%. Por outro lado, as mulheres são
maioria entre as profissionais da saúde, a primeira linha de resposta à pandemia e, portanto, mais expostas a contaminação.

As mulheres são maioria da população (52%), no entanto, representam 45% da força de trabalho e 65% das pessoas fora da força de trabalho. Considerando as mulheres que se encontravam no mercado de trabalho, conforme dados do IBGE, 41,1% das negras e 29,5% brancas não contribuíam para a previdência social no 4ºT de 2019. A essa realidade somam-se as
mulheres que compõem a população em idade ativa, mas se encontram fora da força de trabalho. Elas correspondiam a 47,5% e 45,7% de negras e brancas, respectivamente. É preciso lançar um olhar sobre essas mulheres que estão fora de qualquer sistema de proteção social. Além disso, as mulheres representam 59,4% dos amparos assistenciais às pessoas idosas, 46,8% dos amparos assistenciais aos portadores de deficiência e 81,6% dos dependentes urbanos de pensões por morte (dados da Previdência Social de 2018). Há uma maior exigência sobre essas mulheres no atendimento aos cuidados.
As mulheres já vinham ostentando taxas de desemprego mais elevadas e que tendem a se acentuar exponencialmente com a crise. No 4º trimestre de 2019 o desemprego era de 10,1% (brancas) e 15,6% (negras) com forte presença do desemprego na região Nordeste, 33,2% das mulheres negras nesta região estavam desempregadas.

As 42,3 milhões de mulheres fora da força de trabalho uma situação de maior pobreza e um obstáculo à inclusão das mulheres no mercado de trabalho. Dependendo de sua situação socioeconômica e da faixa etária, a taxa de participação das mulheres em relação à dos homens pode variar. É o que revelam os dados de faixa de rendimento per capita familiar de mulheres fora da força de trabalho: 43,2% das mulheres negras nestas condições residem em domicílios com renda per capita de até ½ salário mínimo. Entre as brancas, o percentual para a mesma faixa de rendimento era de 20%. Certamente nestes domicílios o trabalho predominante é o informal.

No Brasil, os dados indicam que as mulheres estão inseridas predominantemente nos serviços domésticos em geral, seguida pelas balconistas e vendedoras, especialistas em tratamento de beleza, escriturárias, caixas profissionais da enfermagem, cuidadoras de crianças, cabeleireiras, confeiteiras e cozinheiras e professoras do ensino fundamental – são 15 milhões de mulheres nestas ocupações. Trata-se atividades em que as mulheres estão mais expostas, seja por estarem na linha de frente no combate ao vírus, como na área de saúde, seja pela exposição ao público uma vez que estão inseridas nos serviços essenciais, seja por serem as primeiras a perderem seus postos de trabalho, a exemplo das trabalhadoras nas áreas de limpeza, em que a maioria são terceirizadas, e as que atuam nos salões de beleza como MEI´s. Esse quadro é potencializado pelo crescimento da violência contra as mulheres no ambiente familiar.

Violência doméstica
A pandemia do coronavírus colocou na pauta novamente a importância de um Sistema Público e Gratuito de Saúde e a discussão sobre desigualdades sociais, de gênero e de raça no mundo inteiro. Essas pautas detonaram por um lado as políticas de austeridade e fiscal, base do neoliberalismo no planeta, exigindo que os países façam dívidas e coloquem recursos para manter os informais, pequenas e microempresas.

No Brasil, o SUS e as desigualdades são as maiores discussões: o desmantelamento do SUS e das políticas de igualdade, como Bolsa Família, Benefícios de Prestação Continuada, Políticas para as mulheres, de igualdade racial e direitos humanos. Defendemos o isolamento social como a mais eficaz estratégia de prevenção contra a transmissão do vírus, e também reconhecemos que existe um grande contigente de brasileiros e brasileiras que essa medida é difícil de ser realizada, para não dizer impossível, acentuando a necessidade da ação do Estado.

É importante ressaltar que são as mulheres as mais vulneráveis à contaminação e a pobreza e que por outro lado são elas que estão na linha de rente na batalha deste vírus. A Federação das trabalhadoras domésticas está determinando que os patrões e patroas dispensem suas trabalhadoras domésticas, seja mensalista ou diaristas e continuem pagando seus salários sem que sejam descontadas no futuro, e nem a realização de banco de horas. É claro que grande parte da classe média e elite não estão fazendo isto, ao contrário exigem que as trabalhadoras vão ao trabalho sem nenhum cuidado com o transporte público delas, que continuam de ônibus e não de Uber ou táxi. Ou exigem que permaneçam na casa da patroa e, sem direito a ver filhos. Isto é um crime, uma violação dos direitos humanos dessas mulheres e à saúde pública coletiva.

Outro impacto sobre as mulheres é a violência doméstica. Os maridos que estão trabalhando home office, ou não estão indo ao trabalho, permanecendo em casa o dia todo, tornam-se ultraviolentos, bebem mais, o que significa um aumento em 10 dias de quase 15% de queixas nas Varas Especiais do Judiciário chegando a 50% em alguns estados, como no RJ. As medidas protetivas ficam mais difíceis para chegar até as mulheres e os agressores não têm para onde ir e nem as mulheres. Desta forma, o feminícidio tende a aumentar.

Também tem aumentado a pedofilia, e como vários estudos já demonstraram, mais de 80% dos agressores/abusadores e estupradores são pessoas da família e em sua maioria pais e avós, com mais de 50 anos.
Este quadro é resultado do desmonte de toda a política pública para o enfrentamento a violência doméstica que nosso governo implantou e Eleonora Menicucci como a ultima Ministra das Mulheres do Governo Dilma Rousseff. O desgoverno atual retirou todos os recursos destinados a essas políticas, com argumento que cabe as mulheres se protegerem. Mais uma violência contra as mulheres.

O atual presidente além de ser totalmente autoritário, fascista, é misógino, quer a morte das pessoas, um genocídio social, pelo desdém que ele vem tratando esta calamidade pública, que nem os cientistas e médicos/as sabem dimensionar o tamanho, de tão grave.

O que propomos 

No Brasil, como não há testagem em massa, os dados são subnotificados e tudo leva a acreditar que podem estar muito mais altos. Este sem dúvida é um dos fatores que dificulta a previsão da pandemia, além é claro da subnotificação que atua de maneira perversa na consciência das pessoas para desacreditarem da gravidade da pandemia e, da necessidade do isolamento social.

É urgente que o governo se responsabilize por garantir que as pessoas possam ficar em casa, sem ter que escolher entre ficar sem recursos e morrer de fome ou se expor ao vírus, colocando em risco a si, à família e à sociedade como um todo. A aprovação da Renda Mínima, pelo Congresso, foi fundamental, e é urgente que chegue às mãos nas pessoas sem a mínima burocracia, porque a fome tem pressa.

No que toca as medidas para combater o aumento da violência doméstica, dos estupros e pedofilia é urgente colocar mais recursos para que as Delegacias de Defesa das Mulheres funcionem online 24 horas por dia com maior agilidade na expedição das Medidas Protetivas; é preciso que as medidas protetivas expedidas não sejam revogadas. É preciso que os BOs possam ser realizados online, como hoje são os de pequenos furtos, por exemplo. Os processos que estavam em andamento, como direito a pensão, por exemplo precisam ser executados com a devida urgência, as intimações precisam continuar, e assim dar alguma proteção a mulher que está em situação de violência. Que as Patrulhas Maria da Penha funcionem 24 horas por dia, rondando os bairros das cidades, prioritariamente onde moram as mulheres que já prestaram queixas. Para isto, é urgente aumentar o número de viaturas e profissionais.

O Disque 180 deve ser imediatamente reforçados e o disque 100 retomado dentro da lógica que o sustentou durante mais de 12 anos: profissionais especializados, articulação direta com as Delegacias e Varas Especializadas do Judiciário para atender com a máxima urgência as demandas das mulheres.

Nos Estados onde existe a Casa da Mulher Brasileira, que ela funcione imediatamente como abrigo para todas as mulheres com suas crianças que vivem a situação de violência doméstica e os municípios utilizem hotéis, com o Estado e os municípios garantindo segurança por 24 horas; Nos Estados onde não existe a Casa da Mulher, podem ser utilizados
hotéis com Segurança por 24 horas, para abrigarem as mulheres e as crianças  durante o período necessário do isolamento, uma vez que muitos municípios não têm casas abrigo, e o governo federal desativou todos os programas.

É urgente incluir, sem nenhuma burocracia, as mulheres em situação de violência e todas que fizeram queixas no CAD-ÚNICO, para que recebam ajuda aprovada pelo Congresso Nacional. E por fim, cancelar todas as dívidas dessas mulheres, como água, luz, telefone, entre outras.

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