Artigo: Vitória do povo chileno

Em artigo, Romênio Pereira e Mônica Valente avaliam o resultado do plebiscito no país vizinho, que avança na retomada democrática: “Agora, novas frentes de batalha se abrem, como a eleição dos convencionais de abril de 2021, onde a tarefa é a de conseguir eleger uma expressiva maioria anti-neoliberal que de fato escreva um novo texto constitucional adequado à inclusão social, à recuperação do papel do estado na garantia dos direitos sociais há muito reclamados, à igualdade de gênero, ao respeito aos povos indígenas originários como o povo Mapuche, à soberania e à integração”

Cuando la tierra florece, el pueblo respira la libertad, los poetas cantan y muestran el camino

Pablo Neruda

Em um intervalo de apenas 7 dias, Nossa América nos brinda com duas boas noticias. No último dia 25 de outubro tivemos uma contundente vitória no Chile com a aprovação da realização de um novo processo constituinte naquele país, além da vitória de Luis Arce do MAS-IPSP  na Bolívia em 18 de outubro .

O  plebiscito chileno foi fruto de um intenso processo de mobilização do povo chileno em 2019 que , embora tenha começado a partir do rechaço ao aumento de preço do bilhete do metrô em Santiago, derivou para um  forte protesto contras as políticas neoliberais implementadas pelo  governo Piñera à luz da  Constituição  “pinochetista” em vigor.

As mobilizações de 2019, que não fosse a pandemia, teriam continuado em 2020, também expressavam um forte sentimento contra os partidos políticos, mas ao longo do processo os militantes sociais e políticos souberam participar e ajudar a organizar o sentimento de profundo protesto  nos chamados “cabildos abiertos”, uma espécie de assembleias abertas e livres nos diversos territórios. Nesses espaços, as pessoas  se organizavam em  debates e reflexões , pautas de reivindicações da sociedade chilena como um novo sistema de pensões, aumento no salário mínimo, igualdade de gênero, educação e saúde publicas e universais, entre outras.

A atual Constituição, embora tenha sofrido algumas mudanças importantes ao longo dos últimos anos, como o fim da figura dos senadores nomeados pelas Forças Armadas ou pela Suprema Corte, e uma reforma educacional importante na época da presidenta Michele Bachelet, ainda conserva aspectos de inspiração fortemente neoliberal como a figura do “estado subsidiário” , em que o estado tem um papel menor operando às margens do chamado mercado. Desta maneira, nem a saúde nem a educação, de acordo com o texto da atual constituição, são considerados direitos a serem garantidos pelo estado, por exemplo. O sistema de aposentadorias e pensões é baseado exclusivamente em um modelo de  acumulação individual ao longo da vida laboral de cada pessoa, modelo controlado pelo sistema financeiro,  o que obviamente não garante a subsistência mínima das pessoas.

Neste domingo, o povo chileno aprovou que quer uma nova Constituição a ser elaborada por uma Convenção Constitucional exclusiva composta por pessoas a serem eleitas em abril de 2021. Uma vitória importantíssima das mobilizações é que essa Convenção Constitucional será composta com paridade de gênero, inequívoco avanço na luta pela igualdade que certamente marcará o novo texto constitucional. Outro aspecto importante a ser anotado é que poderá haver candidatos avulsos ou individuais à Convenção Constitucional, sem necessariamente estarem vinculados a partidos políticos. E, finalmente, mas não menos importante, o acordo feito no parlamento chileno em novembro de 2019 que deu origem a todo esse procedimento aqui rapidamente descrito prevê a exigência de 2/3 de votos favoráveis a qualquer proposta para  ser inscrita na nova Constituição. A Convenção Constitucional  terá a duração de 9 meses, prorrogáveis por mais 3, e ao final do processo de elaboração e votação da nova Constituição na Convenção, ainda será necessário um referendo popular ao novo texto constitucional.

Domingo dia 25 de outubro  no Chile foi uma segunda vitória importante do povo chileno. A primeira sem dúvida nenhuma foi a própria realização do plebiscito, fruto  das mobilizações de 2019 . A segunda foi a vitória do Apruebo e da Convenção Constitucional no último domingo. Agora, novas frentes de batalha se abrem, como a eleição dos convencionais de abril de 2021, onde a tarefa é a de conseguir eleger uma expressiva maioria anti-neoliberal que de fato escreva um novo texto constitucional adequado à inclusão social, à recuperação do papel do estado na garantia dos direitos sociais há muito reclamados, à igualdade de gênero, ao respeito aos povos indígenas originários como o povo Mapuche, à soberania e à integração.

Certamente não serão batalhas fáceis; é de se supor que a direita neoliberal do Chile, em associação com seus pares na América Latina e nos EUA , tentará de todas as maneiras impedir que seja enterrada naquele país essa herança neoliberal da ditadura pinochetista que teima em sobreviver desde 1973, quando um golpe militar assassinou Salvador Allende e retirou a Unidad Popular do governo. Suas proféticas palavras ainda ecoam, quase 50 anos depois: “Trabalhadores de minha Pátria, tenho fé no Chile e seu destino. Superarão outros homens este momento cinzento e amargo em que a traição pretende impor-se. Saibam que, antes do que se pensa, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor.”

Que viva Chile! Que viva el Pueblo! “El Pueblo Unido jámas será vencido”

Romênio Pereira é secretário de Relações Internacionais do PT e Monica Valente, membro da CEN e Secretária Executiva do Foro de São Paulo.

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