Comitê Científico propõe a estados Comissão Nacional de Vacinação
Diante da inoperância de governo Bolsonaro no combate à pandemia, o Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste propôs a governadores que a Comissão integre os principais especialistas na área e atue de forma independente do Ministério da Saúde. “Sem uma ação coordenada de todo o país, envolvendo medidas sincronizadas de isolamento social, bloqueio sanitário das rodovias em todas as regiões, e uma campanha nacional de vacinação, o Brasil não conseguirá derrotar a covid-19 nem a curto prazo, nem a médio prazo”, alerta o neurocientista e coordenador do Comitê Miguel Nicolelis
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A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que tornou obrigatória a vacinação contra a Covid-19 na semana passada, com sanções aos que decidirem não tomar o imunizante, representa uma grande vitória do povo brasileiro. Ao colocar o interesse coletivo acima de decisões individuais, o STF deu um passo decisivo na batalha contra a pandemia, especialmente diante de um preocupante quadro de desinformação sobre a vacinação que tomou conta do país.
Mas ela não será suficiente para o fim da guerra contra o vírus, apontam especialistas. 2021 será um ano ainda mais difícil para o país, que continuará sem ver a execução de um plano coordenado de enfrentamento da pandemia junto a estados e municípios. Diante do total descontrole sanitário, o Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste propôs, em seu último boletim epidemiológico, que os governadores criem, em caráter emergencial, uma Comissão Nacional de Vacinação.
A comissão seria formada pelos principais especialistas na área para atuar de forma independente do governo federal. “Esta proposta traz à luz do dia a verdade que ficou escondida embaixo do tapete durante todo o ano de 2020: sem uma ação coordenada de todo o país, envolvendo medidas sincronizadas de isolamento social, bloqueio sanitário das rodovias em todas as regiões do país, e uma campanha nacional de vacinação, o Brasil não conseguirá derrotar a covid-19 nem a curto prazo, nem a médio prazo”, escreveu o neurocientista Miguel Nicolelis, coordenador do Comitê Científico, em sua última coluna no jornal ‘El País’.
O cientista faz um alerta para os riscos de uma tragédia ainda maior, já que o país assiste a uma explosão de casos de Covid-19 mesmo antes das festas de fim de ano. “O custo desta omissão será épico, em termos de centenas de milhares de vidas perdidas”, prevê Nicolelis. “Sem qualquer plano de comunicação de massa para alertar a população sobre os riscos que, em razão das aglomerações geradas no período das festas de fim ano, esta nação enfrentará uma explosão ainda maior de casos e óbitos, como ocorrido no período após o feriado de Ação de Graças nos Estados Unidos”, advertiu.
Ciência x sabotagem
Em meio ao avanço desenfreado do vírus, Bolsonaro não mede esforços para levantar desconfianças entre apoiadores ou não, reforçando sempre que pode a estratégia de sabotagem ao combate ao surto. As declarações em defesa da não obrigatoriedade da vacinação encerram o ano de sua cruzada populista de extrema direita cujo único objetivo foi atacar a ciência e colocar a vida humana em risco.
Recentemente, o alvo passou a ser a CoronaVac, vacina desenvolvida em parceria pelo Instituto Butantan e o laboratório chinês Sinovac. A vacina acabou se transformando em um lamentável instrumento de disputa política com fins eleitoreiros entre Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Dória.
[O negacionismo] é motivo de preocupação porque a aplicação em massa de vacinas foi, em toda a história, uma das medidas que mais salvaram vidas humanas”, declarou à ‘Agência Senado’ o professor do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Fernando Helmann. “Elas impedem a morte por doenças como cólera, raiva, febre tifoide”.
Segundo o professor, a varíola, que matou 300 milhões de pessoas no mundo entre 1900 e 1979, foi erradicada graças à vacinação. “O óbvio, portanto, seria que as pessoas depositassem plena confiança nas vacinas criadas pela ciência e avalizadas pelas autoridades sanitárias”, observou.
De acordo com informações do diário americano ‘Wall Street Journal’, publicadas na segunda (21), a CoronaVac demonstrou ter eficácia na fase três de testes no Brasil, mas a informação ainda não foi confirmada pelo Instituto Butantan. Apesar disso, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiu certificado de aprovação da Sinovac na produção de vacinas. A certificação é um pré-requisito para o andamento do processo de autorização do uso emergencial da CoronaVac e tem validade de dois anos.
Vacinação é obrigatória entre militares
A campanha negacionista e antivacina de Bolsonaro caminha em lado oposto ao que determina o próprio governo federal sobre a vacinação entre os militares, setor ao qual o presidente pertenceu antes de ser expulso por suspeita de terrorismo. Desde a década de 70, os militares da Aeronáutica, Marinha e do Exército são obrigados por lei a se vacinarem “visando ao controle, à eliminação e à erradicação de doenças imunoprevisíveis”.
Daí que o próprio Bolsonaro seria obrigado a tomar imunizante se estivesse na ativa. O Calendário de Vacinação Militar prevê atualizações constantes dentro do Programa Nacional de Imunização mas sem alterações quanto à exigência de vacinação. A última versão foi publicada no dia 11 de novembro.
O ato publicado pelo ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva elenca pelo menos 13 vacinas obrigatórias, entre as quais os imunizantes para hepatite B, tétano, caxumba, rubéola e difteria. O ministério também obriga a vacinação contra o vírus HPV aos menores de 20 anos. Não é preciso ser um especialista em epidemiologia para concluir o que aconteceria, no caso da Covid-19, se a decisão de tomar a vacina ficasse a cargo de cada soldado ou cadete das Forças Armadas. Bastaria um doente para contaminar uma tropa inteira dentro de uma caserna.
Vacina para todos já
A obrigatoriedade decidida pelo STF será fundamental para a campanha nacional pela vacinação de todos os brasileiros em 2021, bandeira defendida pelo PT desde o anúncio de sucesso do primeiro imunizante. No início deste mês, o plenário do Senado acatou a emenda da bancada do PT e aprovou a vacinação gratuita e universal contra a Covid-19 para toda a população. A proposta foi incorporada ao Projeto de Lei 4023, que definiu diretrizes sobre a distribuição de vacinas. “O acesso à imunização é um marco civilizatório e, portanto, deve alcançar todas as cidadãs e cidadãos do país”, disse o líder da bancada no Senado, Rogério Carvalho.
Ao contrário do ministro da Saúde , Eduardo Pazuello, que diante de mais de 180 mortos no país, questionou recentemente o porquê de “tanta ansiedade” para a obtenção do imunizante, na Câmara, deputados petistas também manifestaram preocupação com a agilidade no processo de aquisição das vacinas.
Há duas semanas, os deputados Nilton Tatto (PT-SP) e Arlindo Chinaglia (PT-SP) apresentaram o Projeto de Lei (PL) 5413/2020 para retirar a obrigação de aval da Anvisa para a importação de imunizantes já autorizados nos EUA, Reino Unido, Japão, União Europeia e Canadá. “São cientistas e empresas desses países que estão fornecendo vacinas para o mundo inteiro, onde o Brasil está dramaticamente atrasado”, argumentou Chinaglia.
Uso político da Anvisa
O uso político da agência por Bolsonaro preocupa os parlamentares, principalmente em um contexto de ampla disseminação de fake news e pura desinformação, criadas para confundir a população e espalhar desconfiança em relação aos imunizantes. “A gente corre o risco, por exemplo, de não ter vacina de determinados países por uma questão política, porque nós estamos assistindo a uma interferência política na Anvisa”, alertou o deputado Nilton Tatto.
Para o senador Humberto Costa ((PT-PE), “quem prega que existem conspirações internacionais mirabolantes contra o Brasil busca cultivar um nacionalismo exacerbado para manter a base eleitoral coesa e mobilizada. Isso é muito negativo, entre muitas outras razões, porque estimula a polarização, o fanatismo e até a violência”.
Da Redação, com informações de ‘El País’, Agência Senado’, ‘Estadão’ e ‘Brasil de Fato’