Mundo bate 1 milhão de mortes por Covid-19; Brasil detém quase 15% dos óbitos
Caos social e desgoverno de Bolsonaro no enfrentamento à pandemia mantém o país no 2º lugar no número de mortes, atrás apenas dos EUA. E o agravamento da crise econômica ameaça populações vulneráveis. Um estudo inédito, conduzido por pesquisadores de universidades brasileiras e publicado na revista científica ‘The Lancet Global Health’, aponta prevalência do vírus entre indígenas e mais pobres. Brasil agora registra 4,7 milhões de casos e 142,2 mil mortes por Covid-19, segundo balanço do consórcio de veículos de imprensa. “Não importa a situação de um país no surto, nunca é tarde para mudar as coisas”, pede diretor-geral da OMS
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O planeta ultrapassou a triste marca de 1 milhão de mortes por Covid-19 nesta semana. Ao mesmo tempo, contabiliza 33,7 milhões de infecções desde que o coronavírus apareceu na China, há dez meses. O número não leva em consideração a gigantesca quantidade de subnotificações, uma deficiência na coleta de dados que esconde uma realidade muito mais assustadora. O Brasil, cujo desgoverno de Jair Bolsonaro mantém há meses o país em 2º lugar no número de mortes, atrás apenas dos EUA, responde por quase 15% dos óbitos mundiais. Nesta terça-feira (29), o país registrou 4.753.410 casos e 142.280 mortes por Covid-19, segundo balanço do consórcio de veículos de imprensa.
Com o aprofundamento da crise econômica, especialistas temem um agravamento do quadro sanitário, com as populações mais vulneráveis constantemente ameaçadas pelo vírus. Um estudo inédito, conduzido por pesquisadores de várias universidades brasileiras e publicado na semana passada na revista científica The Lancet Global Health, aponta maior prevalência do vírus entre as populações indígenas e mais pobres.
A pesquisa, feita em escala nacional durante os meses de maio e junho, revelou que o percentual de indivíduos já infectados por Covid-19 entre os indígenas é de 6,4% — mais de quatro vezes maior do que em pessoas brancas, cujo percentual de atingidos é de 1,4%. Para concluir o estudo, os pesquisadores realizaram exames sorológicos em cerca de 57 mil pessoas em 133 cidades de todos os estados do país. Os exames são capazes de determinar infecções passadas.
A alta de casos em 11 cidades ao longo do rio Amazonas foi apontada já na primeira fase da pesquisa, incluindo as capitais Belém, Manaus e Macapá. “A descoberta desta alta prevalência em uma região tropical contradiz o senso comum de que continentes como a África podem estar mais protegidos contra a covid-19 por causa da altas temperaturas”, informa o estudo, liderado pelo professor da Universidade Federal de Pelotas, Cesar Victora.
Entre as razões que explicam o contágio desenfreado, estão: pobreza, falta de acesso a saneamento e serviços de saúde, aliados à alta densidade de pessoas em um mesmo ambiente. O estudo aponta ainda uma rápida disseminação do coronavírus no Norte e no Nordeste.
Segundo a pesquisa, das 34 cidades com incidência da doença acima de 2%, 11 estavam no Norte; 14, no Nordeste; e três, no Sudeste, onde só o Rio de Janeiro aparece com 7,5%. E, entre a parcela 20% mais pobres da população, a contaminação foi de 3,7%, mais do que o dobro do 1,7% encontrado entre os 20% mais ricos.Brasil se mantém como epicentro
O estudo evidencia o que autoridades de saúde vem denunciando há meses: a falta de estratégia e coordenação nacional transformou o Brasil em um dos epicentros mundiais da doença. “A resposta do governo à pandemia foi marcada por polêmica, com o presidente do país, Jair Bolsonaro, opondo-se às medidas de distanciamento físico e minimizando a importância do vírus”, relata o estudo.
A falta de unidade na resposta do país resultou, segundo os pesquisadores, em políticas de distanciamento físico amplamente diversificadas em todo o país, em ações que dependeram quase que exclusivamente de estados e municípios. Além disso, “testes são limitados a pacientes com doenças graves e as evidências sugerem que as mortes por Covid-19 são subestimadas”, constata o estudo. “Portanto, dados periódicos e populacionais sobre a pandemia são urgentemente necessários”, justifica a equipe de cientistas.
País testa pouco; pobres, menos ainda
De fato, o Brasil apresenta imensa defasagem em relação a outros países no que diz respeito a aplicação de testes em massa. Apesar de um aumento de 34,4% no número de pessoas que realizaram testes para diagnóstico da doença em agosto, o número representa apenas 8,5% da população, cerca de 17,9 milhões de pessoas.
Outro dado que chama a atenção no estudo diz respeito ao acesso que população mais pobre aos kits de testagem disponíveis no país. Seguindo a tendência indicada pelo estudo conduzido pelas universidades brasileiras, a relação testagem-diagnóstico positivo é inversamente proporcional entre as classes sociais. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 21,7% dos que realizaram testes estão entre o que apresentam rendimento domiciliar per capita acima de 4 salários mínimos.
Na outra ponta, menos de 5% dos que fizeram teste estão entre os que recebem até meio salário mínimo. Ou seja, os mais pobres, apesar de estarem mais expostos ao vírus, testam muito menos do que os mais ricos.
OMS: Um milhão de vidas perdidas
Nesta terça, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, lamentou as mortes e demonstrou preocupação com quadro da pandemia no mundo. Em artigo publicado no diário britânico The Independent, Tedros afirmou, no entanto, que “há lampejos de esperança que nos encorajam agora e no futuro próximo”. O diretor-geral da OMS destacou avanços no diagnóstico e tratamento da doença, além do rápido desenvolvimento de vacinas candidatas à imunização.
Tedros também apontou nações exemplares no combate à pandemia, como a Tailândia, a Itália, o Paquistão e o Uruguai. Apesar do surto ter atingido as Américas em cheio, o Uruguai relatou o menor número de casos e mortes na América Latina, tanto no total como em uma base per capita.
No Uruguai, consenso sobre saúde pública
“Isso não é um acidente”, observou Tedros. “O Uruguai tem um dos sistemas de saúde mais robustos e resilientes da América Latina, com investimentos sustentáveis baseados no consenso político sobre a importância de investir na saúde pública”. No artigo, ele ainda cita outros países que adotaram medidas eficazes diante do surto, incluindo Camboja, Mongólia, Japão, Nova Zelândia, República da Coréia, Ruanda, Senegal, Espanha e Vietnã.
Como era de se esperar, Tedros não menciona o desastre sanitário provocado pelos EUA e o Brasil, preferindo dar foco às nações que, de fato, adotaram medidas para proteger suas populações. “A lição principal continua a mesma”, insiste o diretor-geral da OMS. “Não importa a situação de um país e no surto, nunca é tarde para mudar as coisas”, conclama. Ele lista as medidas que vem sendo repetidas e desrespeitadas no Brasil desde março, quando a OMS classificou o coronavírus como uma pandemia mundial.
Da Redação, com informações de BBC e Independent