São Paulo: Conselheiros Tutelares revelam aumento nos casos de abuso sexual infantil durante a quarentena

Abandono da Assistência, fechamento de escola e confinamento colocam crianças em risco na capital paulista. Elas Por Elas tem produzido conteúdo de orientação, conscientização e canais de denúncias para pais, mães e tutores

Ana Clara, Redação Elas Por Elas

Nesta semana, uma reportagem do The Intercept entrevistou dez conselheiros tutelares da cidade de São Paulo e trouxe um dado alarmante: as denúncias chegaram a triplicar.

Se antes da quarentena, boa parte das denúncias chegava aos conselhos por meio das escolas, que reportavam aos órgãos casos de indícios de violência. Agora, aumentaram as denúncias por outros meios, como o disque 100 do governo federal, hospitais, delegacias, Unidades Básicas de Saúde, telefone ou relatos feitos pessoalmente.

“Além da alta dos números, as denúncias que chegavam pela escola eram, muitas vezes, de casos em que poderiam acontecer abusos, então a gente atuava para que não acontecessem. Após o início da pandemia, o fato acontece para depois a gente entrar em ação. Estamos chegando depois do dano maior ter ocorrido”, lamentou Deziatto, do Rio Pequeno, à reportagem .

Fechadas desde março, as escolas de educação infantil e creches municipais ainda não tem previsão de retomada das atividades regulares. A cidade tem 52 conselhos tutelares, cada qual com cinco membros, mas a prefeitura de São Paulo não tem um sistema de estatísticas do setor – o que impede a medição precisa de abusos durante a pandemia

Os conselheiros reclamam de sobrecarga: novos casos não param de chegar – incluindo mães que precisam de comida e famílias despejadas. “A assistência está desmontada, desmantelada, não sabemos mais o que é política da assistência. Tenho muita demanda de atendimento psicológico e não estou conseguindo na rede pública de jeito nenhum”, afirmou Monalisa Gato, do conselho tutelar do Jaraguá.

 

A segunda onda e o risco de mais violência

 

O projeto Elas Por Elas tem realizado várias matérias no sentido de denunciar e orientar pais, mães e cuidadores para o comportamento das crianças, a vulnerabilidade que elas estão expostas, o que é possível fazer e onde é possível buscar apoio e ajuda para essas situações.

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Com as crianças confinadas e fora da escola e de outros espaços de convivência com adultos, as alternativas para uma possível denúncia ou relato de situação de agressão se tornam ainda mais restritas. E como os agressores são familiares e próximos da criança, elas estão expostas ao perigo durante mais tempo.

Durante o isolamento, por exemplo, casos de abuso sexual de crianças e adolescentes tiveram um aumento de mais de 50% nos primeiros 60 dias de quarentena em Bauru (SP), segundo dados da Secretaria de Bem Estar Social do município. Outro dado preocupante do levantamento é que 90% dos casos de abuso contra crianças e adolescentes acontecem dentro de casa, e a maioria deles praticada por homens.

No entanto, o abuso sexual infantil não se restringe apenas ao contato físico. A Agência Europol registrou aumento de abuso sexual online de crianças na União Europeia, durante a pandemia de Covid-19. A chefe da agência ainda alertou que  mais casos poderão surgir quando as escolas reabrirem e o monitoramento dos professores for retomado.

“O mais preocupante é o aumento da atividade online de quem busca material sobre abuso sexual infantil”, disse Catherine De Bolle, diretora da Europol, em audiência no Parlamento da UE.

Outras organizações como UNICEF e a ONG World Vision também vem alertando para que as famílias prestem atenção às crianças e fiquem alertas a possíveis situações de abuso sexual infantil.

A World Vision estima que até 85 milhões de crianças e adolescentes, entre 2 e 17 anos, poderão se somar às vítimas de violência física, emocional e sexual nos próximos três meses em todo o planeta. O número representa um aumento que pode variar de 20% a 32% da média anual das estatísticas oficiais. O confinamento em casa, essencial para conter a pandemia do novo coronavírus, acaba expondo essa população a uma maior incidência de violência doméstica.

“À medida que o coronavírus progride, milhões de pessoas se refugiam em suas casas para se proteger. Infelizmente, a casa não é um lugar seguro para todos, pois muitos membros da família precisam compartilhar esse espaço com a pessoa que os abusa. Escolas e centros comunitários não podem proteger as crianças como costumavam nessas circunstâncias. Como resultado, nosso relatório mostra um aumento alarmante nos casos de abuso infantil a partir das medidas de isolamento social”, afirma Andrew Morley, presidente do conselho da World Vision International, em documento publicado pela entidade.

 

Perfil do agressor não é desconhecido

 

O caso de notoriedade nacional como o da menina de 10 anos que foi estuprada pelo tio, de 33 anos, no Espírito Santo, e ficou grávida traz à tona uma realidade alarmante do Brasil: Mais de 53% das vítimas de estupro são meninas de até 13 anos. De cada dez estupros, oito ocorrem contra meninas e mulheres e dois contra meninos e homens. A maioria das mulheres violadas (50,9%) são negras.

De acordo com a pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Cristina Neme, “o perfil do agressor é de uma pessoa muito próxima da vítima, muitas vezes seu familiar”, como pai, avô e padrasto conforme identificado em outras edições do anuário.

De fato, o perfil do agressor sexual infantil está muito longe de ser o “desconhecido na rua”, porque a maioria dos crimes de violência sexual contra crianças e adolescentes acontecem dentro de casa — no âmbito familiar.

A ameaça contra a criança — e contra quem a criança  ama — é a principal arma utilizada pelos abusadores que, na maioria dos casos, não se enquadram no perfil de pedófilo. O dado do 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública revela que, a cada hora, 4 meninas são estupradas no país. E, no Brasil, ocorrem em média 180 estupros por dia.

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