STF determina investigação contra gestão Bolsonaro por genocídio yanomami

Ministro Luís Roberto Barroso determinou abertura de quatro investigações por caos humanitário e de saúde pública no território indígena em Roraima

Fellipe Sampaio

Ministro do STF, Luís Barroso. Foto: Fellipe Sampaio

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a abertura de quatro investigações contra integrantes do governo Bolsonaro por suposta prática de genocídio contra o povo Yanomami, no Estado de Roraima. As investigações serão conduzidas pela Procuradoria-Geral da República, Ministério Público Militar, Ministério da Justiça e Segurança Pública e Superintendência Regional da Polícia Federal de Roraima.

A decisão de Barroso, relator de ações no STF envolvendo terras indígenas, transita em segredo de Justiça e relaciona ainda como motivos para a investigação a desobediência de decisões judiciais, quebra de segredo de Justiça, segurança de diversas comunidades indígenas e crimes ambientais relacionados à vida.

Documento apresentados pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), do governo Lula, mostra que Bolsonaro foi negligente e omisso em relação à escalada da crise na terra yanomami. Relatório divulgado, na segunda-feira (30), lista 22 casos em que o ministério, então comandado por Damares Alves, teria sido omisso em relação à violação de direitos dos indígenas em assuntos como saúde pública e segurança.

Em nota, o ministro Silvio Almeida, afirmou: “O levantamento foi encaminhado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública a fim de que os fatos sejam investigados. A iniciativa também implicará na responsabilização de agentes que promoveram ações deliberadas contra a dignidade humana na gestão passada”.

Segundo declarações do Ministro da Justiça, Flávio Dino, há fortes indícios de “materialidade do crime de genocídio” que podem levar a penas de até 30 anos. Em 2948, a Organização das Nações Unidas definiu genocídio como “intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”.

No dia 20 de janeiro, o Ministério da Saúde decretou estado de emergência por conta da crise humanitária constatada durante visita do presidente Lula ao território yanomami.

Documentos em posse de Barroso sugerem “um quadro de absoluta insegurança dos povos indígenas envolvidos, bem como a ocorrência de ação e omissão, parcial ou total, por parte de autoridades federais, agravando a situação”.

Confira o relatório do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania ponto a ponto:

1 – MMFDH se isenta de atuação no acompanhamento das comunidades indígenas no início da pandemia, respondendo ao MPF que não participa do planejamento e execução de políticas públicas direcionadas ao atendimento emergencial dessas comunidades e redirecionando o caso à FUNAI e à SESAI.

2 – Mesmo após os sucessivos alertas ao MMFDH para os prejuízos da invasão garimpeira à saúde, segurança e integridade física das comunidades Yanomami e Ye’kwana em Medidas Cautelares junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a pasta se ausentou em audiência de 04.06.2021, bem como, em Nota Explicativa, ignorou o tema do garimpo e justificou sua atuação em prol das comunidades pura e simplesmente pela entrega de cestas básicas e EPIs, resumindo sua atuação às demandas pandêmicas, e, mesmo assim, sem apresentar qualquer resultado de entrega às comunidades.

3 – Desconhecendo a situação sobre a qual a CIDH estava preocupada, de invasão do território do povo Yanomami por garimpeiros nos estados de Roraima e Amazonas, para responder à CIDH o MMFDH oficiou outros órgãos do governo e o MPF solicitando informações atualizadas, de- mostrando sua ausência de atuação no tema. Como fator agravante, apresentou positivamente à CIDH o conteúdo do Projeto de Lei nº 191/2020, que propunha a legalização da atividade de garimpo, por entender se tratar de norma regulamentadora necessária para a garantia da eficácia social do texto constitucional, expondo os argumentos em desfavor do Projeto como “críticas de deputados oposicionistas”.

4 – Novamente, apesar da demanda ser para a contenção das invasões de garimpeiros ao território Yanomami, o MMFDH ignora o tema e responde ao movimento sobre suas ações de forneci- mento de cestas básicas.

5 – Mais uma vez, pela falta de informação sobre o tema, o MMFDH passou a tarefa à SNPIR, que passou aos Departamentos de Monitoramento de Políticas Étnico-Raciais e de Políticas Étnico-Raciais, que passou à Coordenação-Geral De Políticas Para Povos E Comunidades Tradicionais De Matriz Africana, Terreiros E Povos Ciganos. Inexistindo resposta sobre a sua atuação na proteção dos Yanomami diante das invasões do garimpo, a pasta respondeu, novamente, apenas com dados das ações de distribuição de cestas básicas.

6 – Em resposta a mais uma entidade internacional, o MMFDH ignora as recomendações sobre a proteção da comunidade Yanomami e responde o Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU informando o envio de cestas básicas.

7 – Novamente, o MMFDH ignora as recomendações sobre a proteção da comunidade Yanomami e, abstendo-se de responsabilidade, responde à ACNUDH que áreas de saúde e segurança não estão relacionadas a atuação direta da pasta.

8 – MMFDH ignora a primeira morte de Covid entre os Yanomami e responde que, apesar de ser atribuição da SNPIR a “articulação e a promoção da igualdade racial”, não é responsável pela execução das questões de saúde. Isenta-se do caso e informa que a matéria é de competência da SESAI e da FUNAI.

9 – Na contramão das políticas de proteção das comunidades indígenas, o MMFDH sugeriu o veto à obrigação de União, estados e municípios fornecerem itens como água potável; materiais de limpeza, higiene e desinfecção; leitos de UTI; ventiladores pulmonares; e materiais informativos sobre a Covid-19.

10 – Intimado sobre decisão liminar que concedia a aquisição emergencial de alimentos para os Yanomami, o MMFDH se exime de responsabilidade e informa caber ao Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), ao Ministério da Cidadania e ao SUS a implantação de tais políticas.

11 – Apesar do MMFDH ter proposto ao Ministério da Justiça criar uma comissão com a participação da Secretaria Nacional de Proteção Global e da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, para acompanhamento das ações de combate ao garimpo ilegal em território Yanomami, e de ter o Ministério da Justiça manifestado acordo com a criação da comissão, não foram feitas novas movimentações dando início às atividades propostas. Não sufi- ciente, o MMFDH elenca onze ofícios expedidos pedindo informação sobre a situação dos Yanomami, a fim de informar à DPU que estava atuando, quando, na verdade, não há registro de ações promovidas a partir das informações reunidas, não passando de ação protocolar.

12 – Intimado para contestar a ACP, o MMFDH mais uma vez se exime de responsabilidade e res- ponde que, embora tenha competências para atuação com relação a medidas de resgate cultural, compete à FUNAI a atuação voltada para proteção e preservação cultural indígena. No que se refere ao “desenvolvimento de planejamento assistencial, em favor das crianças e adolescentes indígenas” informa que compete ao Ministério da Cidadania ações assistenciais. Rememore-se que a pauta de assistência a crianças e adolescentes foi usada como argumento na defesa da ex-Ministra Damares, em publicação no Twitter (22/01/2023), exaltando o seu Plano Nacional de Enfrentamento da Violência contra Crianças e Adolescentes na atuação do MMFDH em favor das comunidades Yanomami.

13 – Diante do pedido do governador do Estado de Roraima, que havia declarado situação de emergência em vários municípios e buscava ajuda na execução das ações de socorro e assistência humanitária à população atingida, especialmente a comunidade Yanomami, o MMFDH se eximiu de responsabilidade e encaminhou a demanda ao Ministério da Defesa e à FUNAI. Após o MD ter informado que a solicitação deveria ser direcionada ao Ministério do Desenvolvimento Regional, e a FUNAI ter informado a entrega de cestas básicas, a questão foi encaminhada ao MDR e nada mais foi feito.

14 – O MMFDH suspendeu, no ano de 2022, a ordem de policiamento ostensivo em prol do Sr. Davi Kopenawa, nas proximidades de sua residência e locais de trabalho, na Hutukara Associação Yanomami – HAY e Instituto Socioambiental, mesmo diante das inúmeras denúncias de conflitos com garimpeiros nas terras indígenas Yanomami. A ordem só foi retomada ao final de novembro de 2022, após dois homens terem tentado ingressar na sede da Hutukara Associação Yanomami, no início do mês, expondo a vida do Sr. Davi Kopenawa e outros indígenas, ao invés de cumprir com os princípios e objetivos do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas.

15 – MMFDH, apesar de indicar o nome do secretário adjunto para participar da reunião do Ministério da Justiça sobre o cumprimento de decisão judicial de restabelecimento e a manutenção das Bases de Proteção Etnoambiental (BAPEs), de fiscalização e repressão ao garimpo ilegal, extrusão de infratores ambientais, implementação e aumento de barreiras sanitárias, e questões relacionadas à segurança alimentar das populações indígenas que habitam na Terra Indígena Yanomami, não instaurou nenhum procedimento de acompanhamento da demanda, Os únicos processos sobre o tema são: 00135.214521/2020-79 (MMFDH pede informações sobre operação de desintrusão à FUNAI, para se inteirar do assunto, já que não fez acompanhamento dos casos em nenhum momento) e 00135.214399/2020-31 (MMFDH cita sua suposta participação no cumprimento da decisão judicial para justificar o que tem feito sobre as comunidades Yanomami ao movimento Coalizão Brasil Clima, Floresta e Agricultura).

16 – Ausentando-se de responsabilidade, o MMFDH encerrou o processo administrativo após oficiar o Governador do Estado de Roraima solicitando o status sobre a apuração do caso e registrar a demanda na Central de Atendimento da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos. Apesar de ter sido iniciada articulação para o agendamento de uma oitiva no território, alegou que não foi possível conciliar a disponibilidade de agenda da Ministra e nada mais foi feito. O processo foi concluído sem sequer ter sido a resposta do governador juntada.

17 – Desconsiderando a importância da participação da representante da pasta em audiência que oportunizaria uma discussão de medidas em favor de mulheres e crianças Yanomami junto à Câmara dos Deputados, a tarefa foi secundarizada, tendo sido indicados para participar em nome da Ministra o Secretário Nacional adjunto, Esequiel Roque e a Coordenadora-Geral Dayanna Fagundes, da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

18 – Primeira ida do MMFDH (por representantes da SNPIR) à Roraima, foi, sob escusa de participar do 1º Simpósio Roraimense de Saúde Indígena, para realização de Reunião com 1º Batalhão de Infantaria de Selva e cumprimento da determinação da Ministra no sentido de avaliar a possibilidade de implementação do Projeto Ulu, de assistência voltada especificamente ao enfrentamento do infanticídio indígena, razão pela qual se visitou a Aldeia Sanuma localizada na Terra Indígena Yanomami.

19 – Em missão para representar o MMFDH na cerimônia de entrega de máscaras doadas pela Embaixada da Venezuela, novamente, não foi feita qualquer visita ou oitiva dos Yanomami, com agenda prevendo apenas reunião com a FUNAI e Associação Indigenista para tratar das comunidades Yanomami.

20 – Em missão para tratar da articulação em prol da Criança Indígena Vulnerável, sobre crianças com deficiência e sua relação com o abandono e o infanticídio, mesmo em meio à conjuntura de violência experienciada pelas comunidades Yanomami, não foi feita qualquer visita ao território ou oitiva.

21 – Em missão para cerimônia de entrega de 2(duas) Vans dos Direitos à Defensoria Pública do Estado de Roraima, a Ministra cumpriu agenda sem realizar qualquer visita ao território Yanomami.

22 – Sem qualquer menção ao estado calamitoso experienciado pelas comunidades Yanomami, mas tão somente dizendo que foco das ações seriam essas comunidades, o MMFDH organizou visita à Roraima de comitiva de ministérios de estado às comunidades indígenas públicos-alvo do Plano de Ação de Defesa das Garantias de Direitos das Crianças e Jovens Indígenas. Em momento algum, contudo, houve visita ao território ou oitiva das comunidades.

Da Redação

Tópicos:

LEIA TAMBÉM:

Mais notícias

PT Cast