Mercadante: “Precisamos de uma frente ampla para enfrentar a crise e sustentar a democracia”

À frente da Fundação Perseu Abramo, o economista Aloizio Mercadante prega o diálogo para proteger a população na crise. “Estamos abertos a dialogar com quem tiver interesse, na academia e fundações partidárias, para buscar respostas”, disse em entrevista ao “Valor Econômico”

Foto: Eduardo Aiache

Mercadante: "da mesma forma que a pressão social derrotou o governo Bolsonaro e conseguiu aprovar o novo Fundeb, precisamos de uma ampla mobilização para derrotar esse novo ataque à educação pública"

O presidente da Fundação Perseu Abramo (FPA), Aloizio Mercadante, avalia que o Brasil encontra-se em um momento de fragilidade inédita, enfrentando quatro crises que se retroalimentam: a da saúde pública, a econômica, a financeira (que virá a seguir) e a política. Para ele, o principal vetor é a instabilidade constante provocada por Bolsonaro, “um presidente com comportamento insano”, para quem fez uma rima: “O terraplanista sanitário cada vez mais solitário”. O economista, ex-ministro da Educação e da Casa Civil no governo Dilma Rousseff, disse ao “Valor Econômico” que o país precisa de uma frente ampla para superar a crise política, econômica e agora de saúde pública.

Mercadante ressalva que a preocupação com a falta de comando nacional impera no Congresso. Embora evite falar sobre um eventual impeachment, admite não saber como as instituições vão equacionar o fator Bolsonaro. “A precariedade deste governo está ficando absolutamente transparente. E não é só a oposição e a esquerda que reconhecem isso. Há setores liberais indignados com essas atitudes do presidente”, aponta.

“Uma coisa que aprendi na vida pública é que quando você cai num buraco, a primeira coisa que tem que fazer é largar a pá e parar de cavar. A sensação que eu tenho, do Bolsonaro, é que ele largou a pá e pegou uma retroescavadeira”, disse ao “Valor”.

Mercadante avalia positivamente o diálogo entre partidos de esquerda e de centro e da oposição com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), na formulação de ações como o seguro de R$ 600 para os trabalhadores informais e a distribuição de alimentos da merenda escolar a quase 39 milhões de crianças e adolescentes da rede pública de ensino, aprovadas pelos parlamentares.

Em tom moderado, ressalta a necessidade de se manter o diálogo em curso com “liberais e conservadores” para enfrentar a Covid-19, e afirma que a paternidade de projetos, nesta crise, é algo irrelevante, pois as construções precisam ser coletivas, algo que o governo federal parece não assimilar.

“Estamos abertos a dialogar com quem tiver interesse, na academia e fundações partidárias, para buscar respostas. No fundo, é o seguinte: precisamos de uma frente ampla para enfrentar essa crise e sustentar a democracia no Brasil. E precisamos de uma frente de esquerda para mobilizar e defender os setores populares, os direitos, e pensar eleitoralmente o futuro. São níveis de articulação que precisam se complementar”, afirma.

Muitas das propostas de políticas públicas para o enfrentamento da pandemia e suas consequências brotaram da FPA, criada pelo PT em 1996 para pesquisa e formação política, e que no momento se dedica integralmente à formulação de políticas públicas e saídas para a crise do coronavírus.

O foco da FPA, que Mercadante comandará por quatro anos, é discutir saídas emergenciais para a crise médica e, depois, propor alternativas de recuperação econômica. “Estamos estudando 24 horas por dia, fazendo videoconferências, e oferecendo alternativas ao país. Não é simplesmente ficar fazendo discurso e disputa política. A disputa política sempre vai existir, mas neste momento o que está em jogo é a vida e sobrevivência das pessoas, de empresas e de instituições”, avalia.

O PT oferece auxílio de seu corpo técnico inclusive para debater saídas com o atual governo, diz o economista, para quem os caminhos para mitigar os efeitos da catástrofe mundial provocada pelo coronavírus são claros e evocam os períodos após as duas grandes crises do Século 20: o “Crash” da Bolsa em 1929 e a Segunda Guerra Mundial. “É New Deal agora e, na saída [quando se iniciar o processo de recuperação econômica], Plano Marshall”, apregoa.

Após o golpe contra Dilma Rousseff, a Fundação Perseu Abramo criou Núcleos de Acompanhamento de Políticas Públicas (Napps) para cada área de governo. O mais recente é o Observatório da Coronacrise, destinado a elaborar propostas alternativas de políticas públicas a partir do estudo da experiência internacional e de boas práticas que estão sendo feitas por secretarias estaduais.

Os dois núcleos com maior demanda atual são os de saúde e economia. No Napps de economia, mais de 50 profissionais se reúnem diariamente para debater medidas aplicáveis e necessárias ao Brasil hoje. Além do auxílio emergencial aos informais e mais vulneráveis e à distribuição da merenda escolar mesmo aos que estão sem aulas, há outros dois eixos de ação defendidos pela FPA.

Um deles é a criação de uma política agressiva de capital de giro, de R$ 300 bilhões, coordenada pelo Banco Central, aos setores econômicos impactados pela quarentena, com carência de 24 meses, 60 meses para pagar e juros da Selic mais 0,5% de taxa de administração. A outra frente é o programa “Ninguém demite ninguém”, em que o Estado complementa os salários dos trabalhadores, para evitar demissões em massa. O custo mensal do programa seria de R$ 34 bilhões.

Mercadante passou os últimos 26 de seus 66 anos acompanhando a realidade social das favelas de Heliópolis, em São Paulo. Ele vê com apreensão o calendário apresentado pelo ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, que prevê o pagamento aos trabalhadores informais e vulneráveis somente a partir de 16 de abril, e oferece ajuda para acelerar o processo: “Estamos totalmente disponíveis para ajudar nisso, na parte técnica. Nossa responsabilidade é essa, solidariedade, e salvar vidas. Precisa fazer online, com agilidade, na ponta”, ressalta.

Mercadante explica que a maioria das pessoas tem WhatsApp nas periferias, e um comunicado geral sobre cadastro pode ser distribuído rapidamente pelo governo.  Além do Cadastro Único e dos dados do Bolsa Família, o governo tem como fazer um rápido cruzamento de dados do Relatório Anual de Informações Sociais (Rais) com cadastros de MEI, checando o volume de trabalhadores informais e autônomos, ensina Mercadante, que foi deputado federal por dois mandatos, senador da República e ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, da Casa Civil e da Educação durante os governos Dilma Rousseff.

 

Da Redação, com o “Valor Econômico”.

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